Quando foi anunciado, em novembro do ano passado, que uma dupla de escritoras dividiria o Man Booker Prize, o mais prestigiado prêmio da literatura em língua inglesa, houve uma surpresa seguida de decepção – surpresa porque uma das vencedoras era a então desconhecida Bernardine Evaristo, que se tornou a primeira mulher negra a ganhar o Booker. Decepção porque ela dividiu o prêmio com a canadense Margaret Atwood, já veterana em colecionar prêmios, escolhida por Os Testamentos (Rocco). Isso provocou reclamações dos leitores de Bernardine, que viram no compartilhamento do prêmio uma forma de amenizar sua conquista histórica.
"Na verdade, não sinto que o impacto do prêmio tenha diminuído para mim", comentou ela, em entrevista ao New York Times. "Nenhum livro é o melhor do mundo de qualquer maneira." Em seus oito trabalhos de ficção, Bernardine, que nasceu em Londres, em 1959, filha de mãe inglesa e pai nigeriano, costuma explorar as vidas de membros da diáspora africana.
É o que marca Garota, Mulher, Outras, que lhe rendeu o Booker e que acaba de ganhar tradução no Brasil pela Companhia das Letras. Imensamente elogiada por figuras como Barack Obama, Roxane Gay, Ali Smith e Tom Stoppard, a obra reúne diversas personagens, a maioria mulheres negras britânicas, e foi escrita em uma mistura de poesia e prosa, um híbrido que Bernardine chama de "ficção de fusão".
Graças ao Booker, a fascinante escrita poética de Bernardine Evaristo passou a ser publicada em diversos idiomas e ela ganhou o merecido reconhecimento – nesta semana, participou da abertura da Feira do Livro de Frankfurt e, em dezembro, estará na mesa inaugural da versão online da Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip. Uma oportunidade para que Bernardine possa comentar sobre uma pequena ascendência brasileira: seu avô paterno foi um escravo liberto que deixou o Brasil e voltou para a Nigéria.
Garota, Mulher, Outras traz uma escrita engenhosa sobre raça, identidade e sexualidade, um fascinante desafio ao leitor que se depara com um texto composto de versos livres e sem pontos finais que retratam 12 mulheres negras britânicas. Suas histórias se passam em Londres, logo após a votação do Brexit, uma cidade implacável para pessoas que lutam pela sobrevivência – a maioria desesperançada, pois suas necessidades não são ouvidas tampouco atendidas.
"Focar em 12 mulheres negras britânicas foi minha maneira de abordar nossa invisibilidade e também explorar nossa heterogeneidade", explicou a escritora ao New York Times. "Existem provavelmente cerca de 800 mil mulheres negras britânicas, e todas nós somos diferentes."
Disposta a explorar algo sobre a raça humana, Bernardine avalia seu livro como experimental, no qual cada mulher ocupa seu próprio espaço. "Todas as personagens estão interconectadas, é possível passar pelos diversos tipos de consciência e de vidas dessas mulheres diferentes à medida que as lê."