Em uma nova ofensiva contra governadores, o presidente Jair Bolsonaro acionou na noite desta quinta-feira, 17, o Supremo Tribunal Federal (STF) para derrubar os decretos estaduais da Bahia, do Distrito Federal e do Rio Grande do Sul, que determinaram "toques de recolher" para conter o avanço da pandemia da covid-19. O presidente considera que as medidas são "uma decisão política desproporcional". Bolsonaro entrou com a ação no STF no momento em que o País passa pelo pior momento da pandemia do novo coronavírus, com recordes sucessivos no número de óbitos diários.
Na avaliação de Bolsonaro, os decretos afrontam as garantias estabelecidas na Declaração dos Direitos de Liberdade Econômica e "subtraíram parcela importante do direito fundamental das pessoas à locomoção, mesmo sem que houvessem sido exauridas outras alternativas menos gravosas de controle sanitário".
O presidente também quer que o STF estabeleça que medidas de fechamento de serviços não essenciais exigem a aprovação de leis locais, por parte do Poder Legislativo, não podendo ser determinadas unilateralmente por decretos de governadores.
"Tendo em vista o caráter geral e incondicionado dessas restrições à locomoção nos espaços públicos, elas podem ser enquadradas no conceito de "toque de recolher", geralmente associado à proibição de que pessoas permaneçam na rua em um determinado horário. Trata-se de medida que não conhece respaldo legal no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro", diz trecho da ação assinada pelo próprio presidente.
Integrantes do governo admitem reservadamente que o "timing" da ofensiva no Supremo não é favorável aos pedidos do presidente, em virtude do estágio atual da pandemia. A ação foi protocolada no mesmo dia em que foi anunciada a morte cerebral do senador Major Olímpio (PSL-SP) após complicações pela covid.
Até a publicação deste matéria, não havia sido ainda sorteado o relator da ação no STF.
<b>Repercussão</b>
Considerado aliado do presidente Jair Bolsonaro, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), afirmou ao <i>Estadão</i> que os decretos contestados "não têm nada de inconstitucionais". "Foram editados dentro da competência a mim estabelecida na própria constituição e na lei", registrou.
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), por sua vez, disse que o presidente "coloca energia em confronto, desprezando a gravidade da pandemia, quando poderia colocá-la em ajudar, conseguindo vacinas para a população".
Na mesma toada que Leite, o governador da Bahia, Rui Costa (PT), afirmou em áudio divulgado no site do governo estadual que o presidente "além de não ajudar, faz questão de tentar atrapalhar". "Essa ação no STF é a tentativa dele de mais uma vez demonstrar que é aliado da morte e do vírus. Mais uma vez ele está tentando acelerar o número de mortes e acelerar a contaminação no Brasil. Ele vive da crise, vive do colapso. Como é incapaz de gerir o pais a minha sensação é que ele quer aprofundar a crise do país pra tentar polarizar uma parcela da sociedade. Infelizmente ele é só adepto desse tipo de retórica de baixo nível e de pouco apreço com a vida das pessoas", disse o governador.
Em transmissão ao vivo nesta quinta-feira, 18, Bolsonaro antecipou a decisão do governo de entrar com uma ação no STF contra o toque de recolher. O chefe do Planalto chamou governadores e prefeitos que decretam medidas restritivas de "projetos de ditadores" que teriam, pelos atos, poder de "usurpar" a Constituição.
"Isso toque de recolher é estado de defesa, estado de sítio que só uma pessoa pode decretar: eu", disse o mandatário. "Mas, quando eu assino um decreto de defesa ou sítio, vai para dentro do Parlamento", acrescentou.
Ele disse que o Executivo enviou, ainda, um projeto de lei (PL) com urgência urgentíssima para o Congresso em que define o que são atividades consideradas essenciais durante a pandemia de covid-19. "É toda aquela que serve para o cidadão botar pão na mesa. Então, tudo passa a ser atividade essencial", apontou o presidente.
No início da "live", Bolsonaro sustentou que a ação no Supremo e o projeto ao Congresso visam dar satisfação a parcelas da população que têm feito manifestações contra medidas restritivas adotadas em Estados e municípios para reduzir o contágio pelo novo coronavírus, que têm se multiplicado na atual fase de colapso da rede hospitalar em praticamente todo o País.
"A maior produção que nós podemos ter é a nossa liberdade e a nossa democracia, que a gente sabe que, pelo que a gente vê acontecendo no Brasil, parece que não estão tão sólidas assim, devemos nos preocupar com isso", disse o presidente da República.
Na visão de Bolsonaro, as matérias teriam o objetivo de "restabelecer a ordem" e tornar os poderes da República "cada vez mais harmônicos". "Temos que cada um reconhecer sua importância e seus limites, senão o caldo pode entornar, ter briga em casa, ter tensões entre poderes, e ninguém quer isso aí", advertiu.