Bolsonaro se rende à política feita à mesa

Sirva um guisado de bode e uma fritada de aratu. Quebre a formalidade oferecendo aos convidados quibe e pedindo pizzas por delivery. Tenha conversas à base de leitoa assada e peixe na brasa. Na pressa, convide para um café da manhã. Esse cardápio ajudou a construir o armistício que se viu nos últimos dias entre autoridades dos três Poderes.

Em volta de uma mesa, o presidente Jair Bolsonaro se aproximou dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes e Dias Toffoli e o ministro da Economia, Paulo Guedes, se reconciliou com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

O hábito político-gastronômico na capital federal sempre foi tradição entre parlamentares e integrantes do Judiciário. Desde que chegou ao poder, Bolsonaro evitava esse tipo de confraternização. Mas, pressionado por inquéritos, como o da suposta interferência na Polícia Federal, o que investiga fake news e o que mira atos antidemocráticos, mudou de postura e aderiu a um costume da velha política brasiliense.

Em um espaço de quatro dias entre o fim de setembro e o início de outubro, comeu quibes na casa de Gilmar e pizza na residência de Toffoli. Foi acompanhado de seu indicado para o Supremo, o desembargador Kassio Marques, e do presidente do Senado, David Alcolumbre (DEM-AP).

Auxiliares do presidente dizem que as visitas foram exceções. Alegam que Bolsonaro, apesar de demonstrar nova disposição para o diálogo, dorme cedo e come pouco à noite. Para fazer política, prefere cafés da manhã, como o do dia 5, quando recebeu Maia e o relator do Orçamento, senador Márcio Bittar (MDB-AC).

Outra opção são almoços no Planalto. Em março, quando começou a se aproximar do Centrão, recorreu ao deputado Fábio Ramalho (MDB-MG), conhecido por oferecer banquetes mineiros aos colegas da Câmara em dias de longas sessões.

Fabinho, como é conhecido, foi convidado a levar suas panelas com feijão tropeiro, costelinha e leitoa assada ao Planalto. De lá para cá, pelas contas do deputado, já foram sete almoços. Até o fim do ano, pretende fazer mais quatro. "Fazer política à mesa é uma maneira de todo mundo ser igual e também de acalmar os ânimos", afirmou o deputado. A lista de convidados fica a cargo dele e do ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos. "Chamamos também alguns ministros para eles ficarem conversando com os parlamentares, é uma maneira de bater um papo olho no olho e acabar com as tensões da política."

Já os almoços nos fins de semana no Planalto costumam ser restritos a integrantes do governo e aliados de primeira hora, como o deputado Hélio Lopes (PSL-RJ). O secretário especial da Pesca, Jorge Seif Junior, é o organizador e fica na churrasqueira. Apenas homens são convidados para os encontros, que têm ocorrido pelo menos uma vez por mês. No último dia 3, Seif serviu olhete. "Não falamos de trabalho, mas é claro que ajuda a estreitar os relacionamentos", disse o secretário.

<b>Chef</b>

Outra reconhecida anfitriã em Brasília é a senadora Kátia Abreu (Progressistas-TO), que cede a residência e usa o tempero baiano do marido Moisés Gomes, chef das recepções. "A escolha do grupo é uma arte. Tem que ter afinidades e simpatias", disse a parlamentar. "A mesa e a comida agregam família, amigos e grupo de trabalho."

Kátia também ajudou a articular outro convescote que marcou a semana passada: o jantar na casa do ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas, no qual foi selada a trégua entre Guedes e Maia, no dia 5.

Diante de um guisado de bode, ministro da Economia e presidente da Câmara dos Deputados, que haviam rompido publicamente, fizeram as pazes e se comprometeram a fazer corte nos gastos para abrir espaço para financiar o programa Renda Cidadã. A reconciliação foi construída com a participação do senador Renan Calheiros (MDB-AL), que definiu a noite à imprensa: "Conversar não arranca pedaço".

Para o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que por duas décadas foi proprietário do restaurante Piantella, reduto de políticos em Brasília até fechar as portas, em abril deste ano, os encontros de articulação em espaços privados se tornarão cada vez mais frequentes.

"O Piantella acolheu grandes discussões nacionais, e com jornalistas acompanhando da mesa ao lado. Era muito mais democrático. Com o momento em que vivemos, em que todo mundo filma tudo e envia no WhatsApp, as pessoas perderam a segurança e prejudicou o espaço público." As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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