O Brasil vai votar em um africano para ocupar o cargo máximo no sistema de saúde no mundo. Nesta terça-feira, 23, a Organização Mundial da Saúde (OMS) escolhe seu novo diretor e, apesar de o processo ser secreto, o Brasil não apenas declarou seu voto como faz campanha pelo africano Tedros Adhanom Ghebreyesus.
Ministro etíope, ele concorre contra o inglês David Nabarro e a paquistanesa Sania Nishtar. Mas o candidato africano está sendo duramente criticado por ativistas de direitos humanos e ONGs. Seu país é um dos regimes autoritários do continente africano e Adhanom foi seu chanceler de 2012 a 2016. Antes, foi ministro da Saúde.
A seu favor, está o fato de que, desde 1948, jamais um africano liderou a agência de Saúde da OMS. Ele ainda se apresenta como uma pessoa que transformou a saúde de seu país, enquanto foi ministro dessa pasta entre 2005 e 2012. “Um líder visionário” aponta o site do candidato.
Ele insiste foi, durante seu mandato, 3,5 mil centros de saúde foram criados no país, reduzindo a mortalidade infantil em dois terços e uma queda de 90% nas novas infecções de Aids.
Mas entidades como a Human Rights Watch o recriminam por fazer parte do núcleo duro do regime autoritário do país, acusado de violações de direitos humanos e repressão pela própria ONU. Um grupo de 20 entidades escreveu para a OMS pedindo que seu nome não fosse considerado. Sua campanha ainda contou com acusações de que ele tentou abafar três epidemias de cólera, enquanto foi ministro da Saúde.
Documentos obtidos pelo jornal O Estado de S. Paulo ainda revelam que o Fundo Global para Aids, Tuberculose e Malária constatou irregularidade nos recursos que enviou para seu ministério e ordenou que US$ 7 milhões fossem devolvidos. Um hospital que seria construído com o dinheiro da entidade internacional ainda registrou um salto nos custos de 54%.
Nesta segunda-feira, 22, durante a Assembleia Mundial da Saúde, um manifestante gritou palavras de ordem contra o etíope e chamou os países que o apoiam de “vergonhosos”. Ele foi retirado do encontro com mais de 2 mil pessoas pelos seguranças, que não permitiram que a imprensa tivesse acesso a ele.
À reportagem, o ministro da Saúde, Ricardo Barros, explicou que a opção do Brasil pelo africano é baseada em sua visão para a OMS. “Ele é uma pessoa que nos interessa, por nossa relação com a África”, disse. A reportagem apurou que o governo espera que o etíope abra vagas na direção da entidade para brasileiros.
“Eu conversei com todos os candidatos. Eu achei que ele era a pessoa que estava mais alinhada com a visão que temos de como a OMS deve atuar”, disse o ministro. Um dos pontos que interessou ao Brasil ainda era sua intenção de descentralizar o poder da agência, permitindo que iniciativas regionais, como a OPAS possa assumir parte do trabalho. “Ele vai nos ajudar a ouvir os órgãos regionais e tomar a decisão com quem está no chão”, disse Barros.
Outro ponto que interessa ao Brasil é o de manter a influência na África e, para isso, precisa também mostrar solidariedade com candidatos para postos internacionais. Nesta segunda-feira, os países lusófonos ainda assinaram uma carta conjunta solicitando que o novo diretor, seja quem for, considere a possibilidade de incluir o português como língua de trabalho na OMS.
Despedida
Em seu discurso de despedida, nesta segunda-feira, a diretora da OMS, Margaret Chan, fez um mea culpa diante das falhas da entidade ao responder às epidemias mundiais. “O mundo teve menos sorte com o zika”, disse. Sobre o ebola, ela não deixou dúvidas de que reconhece seus erros. “Ele pegou todos de surpresa, inclusive a OMS”, admitiu.
“A OMS foi lenta em reconhecer que o vírus poderia se comportar de forma muito diferente de surtos anteriores”, disse. “Isso ocorreu sob minha administração e sou responsável”, insistiu.
Mas ela defendeu que sua administração fez as correções necessárias e que as doenças foram controladas. Sua meta: evitar que isso se repetisse. “A historia julgará se o mundo estará melhor preparado para lidar com novas emergências”, disse. Segundo Chan, o “mundo está melhor preparado, mas ainda não de forma suficiente” para lidar com novas epidemias.
Depois de dez anos no comando da entidade, Chan rebateu as críticas de que a OMS perdeu sua influência, diante da crise de credibilidade que sofreu. “Ela ficou mais relevante que nunca”, disse.