Mundo das Palavras

Caçada a Monteiro Lobato

Há poucos dias a Revista Bravo, da Editora Abril, surgiu nas bancas de jornal com uma capa sem nenhuma foto ou imagem. Nela, apenas uma frase, muito destacada, de autoria de Monteiro Lobato, na qual o escritor se referia a um país qualquer de população mestiça. Tal país – disse ele – estaria perdido se não dispusesse de força para organizar “uma Ku Klux Klan”. Lobato se referia à sociedade secreta que, desde o fim da Guerra Civil, em 1863, tenta impedir a integração do negro na sociedade dos Estados Unidos, a qualquer custo.


Foi pinçada da correspondência mantida, privadamente, por Lobato, no ano de 1928, com o Arthur Neiva, cientista baiano que, ao longo de sua carreira, realizou campanhas sanitárias e produziu trabalhos considerados valiosos nas áreas das Ciências Naturais, da Etnografia, da Linguística. Entre os quais, a primeira descrição de uma espécie de barbeiro, o inseto causador de doença de chagas.


Naquela correspondência, parcialmente transcrita nas páginas internas da revista, o escritor se revelou um adepto da mesma teoria que cinco anos depois levaria Neiva a defender junto à Assembléia Constituinte a tese da necessidade do branqueamento da população brasileira. Empreitada na qual Neiva contou com Miguel Couto, prestigiado médico do Rio de Janeiro. Tal teoria se assenta na suposta possibilidade de “aperfeiçoamento da raça humana”, através de processos seletivos.  A partir de 1933, ela serviu como justificativa para que os nazistas esterilizassem e castrassem homossexuais, delinquentes, além de proibirem o casamento com judeus e com quem tivesse doenças mentais, contagiosas ou hereditárias. Por isto, a teoria passou a repugnar fortemente milhões de pessoas no mundo.


No entanto, vestígios dela os pesquisadores encontram já no modo como os recém-nascidos eram tratados na cidade-estado surgida 900 anos antes de Cristo com o nome de Esparta. Assim como na obra República, de Platão, produzida cerca de 600 anos depois.  Hoje, a teoria continua presente em trabalhos como os de alguns cientistas envolvidos com o projeto do genoma humano. Entre os quais, o biofísico norte-americano Gregory Stock, diretor do Programa de Medicina, Tecnologia e Sociedade da Universidade de Califórnia. Porém, a maioria dos cientistas reconhece que a hereditariedade não tem exclusividade na determinação da inteligência humana, sempre sujeita à influência de seu meio social. E, identifica algum grau de crueldade na manipulação genética.


De qualquer forma, é claro, 83 anos atrás, quando escreveu aquela carta Lobato não podia prever as barbaridades do Nazismo. Aquela teoria, dez anos antes, em 1918, tinha influenciado a Sociedade Eugênica de São Paulo, em sua atuação no campo da Saúde Pública. E, cinco anos depois, levaria os médicos Renato Kehl, diretor da Bayer do Brasil, e,  Belisário Augusto de Oliveira Penna, ex-diretor da Saúde Pública do Rio de Janeiro a criar o Comitè Central de Eugenismo, com o intuito de valorizar iniciativas científicas. 


Sem esta contextualização, a divulgação da correspondência de Lobato se torna mais um evento da temporada de caça ao prestígio dele, iniciada há algumas semanas.


Oswaldo Coimbra é jornalista e pós-doutor em Jornalismo pela ECA/USP

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