A Câmara aprovou nesta terça-feira, 4, projeto que revoga a Lei de Segurança Nacional (LSN), que tem sido usada pela gestão de Jair Bolsonaro para investigar opositores. A votação foi simbólica, mas contou com a resistência do governo, que orientou deputados da base a votar contra, e do PSL, que atuou para tentar tirá-la da pauta. O texto ainda precisa passar pelo Senado.
No lugar da LSN, deputados criaram a chamada "Lei do Estado Democrático", que tem como pressupostos, entre outros pontos, instituir o crime de golpe de Estado, inexistente na legislação atual nestes termos.
A relatora, deputada Margarete Coelho (PP-PI), apresentou parecer que estipula punições para práticas como incitação a guerra civil, insurreição e espionagem. O texto prevê ainda prisão de um a cinco anos e multa para quem fizer disparos de fake news em massa durante o período eleitoral.
O presidente Jair Bolsonaro é alvo de ações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que investigam, justamente, a contratação de empresas de tecnologia para disparo de mensagens em massa pelo WhatsApp durante a campanha que em que foi eleito, em 2018. O tribunal, no entanto, já rejeitou processos semelhantes por falta de provas.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), comemorou a aprovação da proposta. "Fizemos história de conceito antigo que precisava ser visto", disse. A deputada Margarete Coelho classificou a Lei de Segurança Nacional como "entulho autoritário". "É uma virada de chave extremamente importante", afirmou.
Na forma vigente, em sua sexta versão, a Lei da Segurança Nacional foi sancionada em 1983, durante a ditadura militar, pelo presidente João Figueiredo, para listar crimes que afetem a ordem política e social – incluindo aqueles cometidos contra a democracia, a soberania nacional, as instituições e a pessoa do presidente da República.
Ao revogar a LSN, a Câmara se antecipa a uma possível decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) para limitar o alcance da legislação atual. Ao menos cinco ações de partidos políticos, sob relatoria do ministro Gilmar Mendes, questionam trechos da regra em vigor, e magistrados já indicaram ver inconstitucionalidades.
O <b>Estadão</b> mostrou, em março deste ano, que o número de procedimentos abertos com base na lei pela Polícia Federal para apurar supostos delitos contra a segurança nacional aumentou 285% nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro, na comparação com o mesmo período das gestões Dilma Rousseff e Michel Temer. Houve um total de 20 inquéritos entre 2015 e 2016. Já entre 2019 e 2020, foram 77 investigações.
A lei serviu, por exemplo, para a Polícia Civil do Rio intimar o youtuber Felipe Neto após o influenciador digital chamar Bolsonaro de "genocida", e para o Ministério da Justiça pedir a investigação da publicação de uma charge na qual Bolsonaro aparece transformando a cruz vermelha (símbolo de hospitais) na suástica nazista.
<b>Repercussão</b>
Para o deputado Carlos Jordy (PSL-RJ), a proposta legitima ações do STF contra deputados e apoiadores do governo Bolsonaro. "É uma lei que deve ser estudada, mas da forma açodada que vem para o plenário, não podemos aceitar", disse. "Se é para torná-la melhor, deveria ser aprimorada, e não da forma que ela vem."
A líder do PSOL, Talíria Petrone (RJ), manifestou preocupação com o texto aprovado. Para ela, permanece a possibilidade de criminalização dos movimentos sociais. "O texto prevê tipos penais extremamente abertos e sabemos como esses tipos penais abertos podem levar à criminalização de movimentos sociais. Sabemos quão seletivo é o estado penal", disse.
Orlando Silva (PCdoB-SP) descartou a possibilidade. "Não seríamos nós, do PCdoB, que iríamos escrever uma lei que perseguisse movimentos sociais."
Para Rodrigo de Castro (PSDB-MG), trata-se de um " encontro histórico com a democracia". "Talvez o último entulho autoritário do País esteja sendo varrido agora", disse.