No mesmo ano em que a Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo criava a Central de Transplantes paulista, a então adolescente Barbara Francine de Almeida Rodrigues dos Santos recebia a pior notícia de sua vida: seu coração, debilitado por um problema congênito, não aguentaria muitos meses e precisaria ser substituído. A existência de um futuro para a jovem passava a depender, portanto, de um doador.
Barbara havia nascido com uma cardiopatia grave, só descoberta aos 4 anos, após ela passar por sucessivos quadros de pneumonia. Por alguns anos, a jovem foi tratada com medicamentos. Mas, em 1997, quando ela tinha 15 anos, uma parada cardíaca repentina lesionou ainda mais seu coração. O transplante teria de ser realizado o quanto antes. Vinte anos depois, Barbara tornou-se um dos mais de 100 mil pacientes salvos graças à existência da Central de Transplantes de São Paulo, órgão que comemora duas décadas neste mês.
Hoje com 35 anos, a pedagoga lembra quando a família recebeu a ligação com a notícia de que haviam encontrado uma “potencial doadora”. Barbara e os pais estavam no litoral quando o telefone tocou. Entre o aviso de que precisaria de um transplante e a chegada de um coração compatível foram cerca de seis meses de espera.
“Eu tinha pedido para ir à praia e a família acabava fazendo minhas vontades, por causa da minha condição difícil. Justo naquele dia, teríamos de subir a serra correndo para dar tempo de fazer o transplante. E ainda tinha chovido muito, e São Paulo estava alagada”, conta.
Ao chegar ao Instituto do Coração do Hospital das Clínicas (InCor), uma surpresa: a família da doadora, com diagnóstico de morte cerebral, não havia confirmado que autorizaria a doação de órgãos. “Eu imagino como é difícil em um momento de dor como esse ter de se abrir para ajudar outra família”, recorda Barbara, emocionada.
Após autorizar e voltar atrás três vezes em uma madrugada, a família da doadora acabou cedendo e Barbara, finalmente, ganhou um novo coração.
Balanço
Nos 20 anos da Central de Transplantes paulista, mais de 1,5 mil corações foram transplantados, além de 17,8 mil rins, 7,4 mil fígados, 1,5 mil pâncreas, 78 mil córneas, 608 pulmões, entre outros órgãos.
Procedimentos do tipo já eram feitos no Estado de São Paulo anos antes, mas a criação da Central, explica o secretário estadual da Saúde de São Paulo, David Uip, trouxe transparência para o serviço.
“Foi a partir daí que passamos a ter a fila unificada, com critérios de compatibilidade e gravidade. Antes, os órgãos eram disputados entre as equipes de transplante dos diferentes hospitais”, conta ele. “Também conseguimos aumentar o sistema de captação.”
O número de doadores já mortos no Estado passou de 83 em 1997 para 844 no ano passado. O número total de transplantes realizados por ano cresceu 890% no período, de 213 para 2.110. O índice, porém, ainda é baixo perto da capacidade das equipes e da necessidade dos pacientes. A fila de espera por um órgão no Estado hoje reúne 14 mil nomes. “Nossa principal dificuldade é o convencimento das famílias”, diz Uip. A secretaria lança, na próxima quarta-feira, uma campanha para incentivar a doação de órgãos. Hoje, 40% das famílias não autorizam o procedimento – na década de 1990, eram 70%.
Amor incondicional
Às vezes, o gesto de solidariedade vem da família, como foi o caso do funcionário público Carlos Eduardo Ayrão Mariano, de 35 anos, que doou parte do fígado para a filha Luiza, de 10 meses.
Nascida com uma condição rara, chamada de atresia das vias biliares, a menina desenvolveu cirrose hepática e só sobreviveria se ganhasse um novo fígado. “Eu sabia que o transplante seria o momento mais crítico para ela; que havia riscos, para nós dois, mas não pensei duas vezes. Era a única chance dela.”
O transplante foi feito em abril deste ano e a menina teve alta um mês e meio depois. “Eu e ela tivemos complicações, mas hoje ela está bem: brinca, se alimenta e já tenta falar. Eu não tive nenhuma dúvida de me oferecer como doador”, disse.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.