O atropelo de decisões técnicas sobre infrações ambientais avança nas chefias regionais do Ibama, órgão federal vinculado ao Ministério do Meio Ambiente. Desta vez, a anulação de atos tomados por fiscais do Ibama que ainda tramitavam dentro do órgão veio da chefia do Rio Grande do Sul, liberando três grandes embarcações de pesca industrial, que tinham incorrido em uma série de irregularidades.
Em dezembro do ano passado, foram emitidos nove autos de infração para três embarcações que pertencem ao presidente do Sindicato de Armadores da Pesca do Rio Grande do Sul, Sérgio Daniel Maio Lourenço, e seus familiares. Os barcos são de grande porte, com quase 20 metros de comprimento, valor unitário superior a R$ 1,5 milhão e capacidade de pesca superior a 50 toneladas por viagem.
Ao analisar a situação de cada um, os agentes do Ibama descobriram que as embarcações operavam sem o rastreamento obrigatório por satélite há mais de 6 meses, além de estarem com a autorização de pesca sem renovação. Na prática, atuavam de forma anônima, se escondendo da fiscalização ambiental. O proprietário foi multado em um total de R$ 211,5 mil e os barcos – batizados de Bacana IV, Bacana V e Bacana VI – foram apreendidos por meio de um termo de suspensão de atividade.
O processo de regularização de cada unidade deveria percorrer o rito normal de regularização, com apresentação de justificativas e regularizações. Nada disso, porém, aconteceu. Com uma canetada, a superintendente do Ibama no Rio Grande do Sul, Claudia Pereira Costa, chamou a responsabilidade para si e, antes mesmo de os técnicos fazerem o relatório técnico final, suspendeu a decisão no dia 11 de fevereiro, liberando as embarcações irregulares.
Com a decisão, a superintendente passou por cima do que consta no próprio regulamento do Ibama. A regra estabelece que medidas como apreensões, embargos e suspensões de atividades devem ser julgadas pela área técnica que lavrou esses termos, só podendo ser levantadas as restrições com o cumprimento das condições impostas, até que o mérito do processo seja julgado.
O argumento usado por Claudia Pereira Costa, conforme apurou o <b>Estadão</b>, é de que uma instrução normativa emitida pelo Ministério da Agricultura já teria autorizado a liberação de 41 embarcações que estavam apreendidas pelo Ibama, entre as quais se encontravam aquelas que pertencem ao presidente do Sindicato de Armadores da Pesca do Rio Grande do Sul. A partir disso, sua decisão se apoiou em um ofício de um órgão estadual, a Divisão de Aquicultura e Pesca do Rio Grande do Sul, que sustentava que as autorizações dos barcos, que tinham validade expirada há mais de 5 anos, estariam prorrogadas automaticamente por causa da instrução normativa emitida pelo ministério.
A área técnica de fiscalização do Ibama já tinha analisado o caso. Diversos pedidos de liberação foram julgados e negados até que fossem apresentadas as novas autorizações de pesca, com a validade renovada nos registros. O caso seguia dessa forma até a intervenção da superintendência.
O atropelo ocorre em meio à tentativa de uma retomada mais intensa de fiscalização de pesca pelo Ibama no Rio Grande do Sul, uma atividade que, segundo técnicos ouvidos pela reportagem, vinha sendo realizada com alto grau de irregularidades, como pesca em locais proibidos, durante os defesos reprodutivos e com equipamentos proibidos.
Há ainda uma forte pressão política local para que as embarcações sejam liberadas. O município de Rio Grande, que é o maior polo pesqueiro do Estado, é governado pelo prefeito Fábio Branco (MDB), ex-deputado estadual que tem a sua origem na pesca.
A decisão da chefia do Ibama no Rio Grande do Sul remonta ao ocorrido com o órgão na Bahia. Conforme revelou reportagem do <b>Estadão</b> em novembro do ano passado, o superintendente do Ibama na Bahia, Rodrigo Santos Alves, cancelou atos de sua própria equipe técnica no Estado para liberar obras de um resort de luxo, erguidas sobre a areia da Praia do Forte.
<b>Sem resposta</b>
A reportagem enviou todos os questionamentos sobre o tema ao Ibama e aguardou um posicionamento por mais de uma semana. Não houve nenhuma resposta sobre o assunto, apesar de a reportagem saber que houve consulta direta à superintendência no Rio Grande do Sul.
Desde 2019, o Ibama está proibido de se manifestar sobre qualquer assunto requerido pela imprensa, sem que seu posicionamento passe, antes, pelo Ministério do Meio Ambiente. A mordaça sobre o Ibama e o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) foi imposta pelo ministro Ricardo Salles, que tem controlado o acesso a informações.