Quando reserva um tempo para rever Top Model (1989), novela de Walther Negrão e Antônio Calmon, a dona de casa carioca Ana Gabriela Necchi, de 36 anos, emenda até seis capítulos seguidos. Essa é a terceira vez que ela assiste à trama estrelada por Malu Mader e Nuno Leal Maia – além da exibição original, ela já viu pelo YouTube e, agora, segue pela plataforma de streaming Globoplay, que há cerca de seis meses colocou em seu catálogo, além de séries e documentários, novelas antigas do acervo da <i>TV Globo</i>, tão cobiçadas pelos amantes de telenovelas.
Com tantas opções ao alcance do controle remoto – Netflix e Amazon Prime Video exibem tramas contemporâneas -, maratonar uma novela, algo tão habitual para os aficionados por séries, tem se tornado cada vez mais comum aos noveleiros de plantão. Mas o que isso muda na relação deles com o gênero, além de não ter mais que esperar o Vale a Pena Ver de Novo ou o <i>Canal Viva</i> reprisar aquela trama tão desejada?
A primeira novela que Ana Gabriela acompanhou foi a mexicana Carrossel, exibida pelo <i>SBT</i> entre 1991 e 1992. Virou fã dos folhetins. Mas "a coisa piorou", como ela diz, quando o <i>Canal Viva</i> entrou no ar, há pouco mais de dez anos. "Quando gosto, paro para ver mesmo. Além de Top Model, Por Amor, Felicidade e História de Amor estão entre as minhas outros preferidas, já assisti 2, 3 vezes cada", diz. No streaming, ela também acompanha a série As Five, derivada da temporada de Malhação: Viva a Diferença (2017).
O próprio Viva já exibe, desde 2017, maratona de capítulos aos fins de semana para atender à demanda de quem não pode acompanhá-los durante a semana.
Para o mestre em teledramaturgia e autor do livro A Hollywood Brasileira – Panorama da Telenovela no Brasil, Mauro Alencar, era inevitável que as novelas fossem parar no streaming. Segundo Alencar, o hábito de maratonar um produto cultural é algo mais antigo do que se possa imaginar, e que se moldou ao longo dos anos. Portanto, não foi algo criado pelos fãs de séries e, agora, seguido pelos apreciadores de telenovelas.
"É uma nova roupagem para assistir a um seriado, novela ou ler um livro de forma ininterrupta. Isso já ocorria em 1830 com Os Mistérios de Paris (folhetim de Eugène Sue). Depois, no Brasil, com sucessos como o romance A Escrava Isaura (Bernardo Guimarães, 1875). Os leitores acompanhavam as histórias em capítulos publicados nos jornais e, mais adiante, com o lançamento do romance, poderiam ler de uma só vez a história antes parcelada. O que vale é a maneira como esse produto está disponibilizado no mercado. Você pode ler a série literária de romances históricos que compõem O Tempo e O Vento de uma só vez ou pode ler um capítulo por dia, respeitando as partes do todo: O Continente, O Retrato e O Arquipélago. Maratonar, tendo o produto em mãos, é do gosto do freguês", diz.
Eduardo Conceição, de 36 anos, criador do perfil no Instagram e canal do YouTube Memória Teledramatúrgica – que juntos somam mais de 200 mil seguidores -, acompanha novelas desde a infância. O interesse, ele acredita, nasceu por meio de novelas de Antônio Calmom – autor, entre outras, de Top Model, Vamp e O Beijo do Vampiro. "Ele mexia com o universo infantojuvenil. Meus amigos da época assistiam também. Fui fisgado."
Atualmente, ele maratona, junto com uma amiga, Amor À Vida (2013), novela de Walcyr Carrasco que consagrou o ator Mateus Solano no papel de Félix Guerreiro. Coube a Solano, ao lado de Thiago Fragoso, protagonizar o primeiro beijo gay em novelas da <i>Globo</i>. "Cliquei para ver o primeiro capítulo e não parei mais. Gosto de assistir com calma, sem pressa, sem devorar os capítulos", diz Eduardo, que, antes, maratonou Fera Radical. "Você pode assistir na hora que quiser, sem comerciais, pode pausar. Não ter um horário exato de uma novela, como o de um canal aberto, já é ótimo. Além disso, tem muitas opções. Acredito que essa forma de ver novela vai crescer muito ainda."
O Globoplay, que tem em seu catálogo quase 100 novelas para seus assinantes – um novo lançamento é feito a cada 15 dias -, diz, via assessoria de imprensa, que o plano de resgate das telenovelas, que começou em maio, é um dos mais bem-sucedidos da plataforma que registrou, de janeiro a outubro de 2020, dentro da categoria novelas, um aumento de 150% de horas consumidas em comparação com o mesmo período de 2019. No primeiro semestre de 2020 houve um aumento de mais de 145 % na base de assinantes, comparado com o ano anterior. "A novela, como um produto importante do nosso catálogo, tem influência nesses resultados", diz a assessoria de imprensa da plataforma.
Entre os títulos à disposição estão clássicos como Roque Santeiro (1985), Brega & Chique (1987), Meu Bem, Meu Mal (1990) e Avenida Brasil (2012). A mais vista em 2020 foi Tieta (1989), adaptação do romance Tieta do Agreste, de Jorge Amado, escrita por Aguinaldo Silva, Ana Maria Moretzsohn e Ricardo Linhares, com direção geral de Paulo Ubiratan e Betty Faria como protagonista.
Antes de encontrar um refúgio oficial, amantes do gênero recorriam ao YouTube ou a grupos nas redes sociais que publicavam capítulos, resumos e novelas inteiras. Em um dos grupos, com cerca de 9 mil participantes, era possível assistir, por exemplo, a minissérie Sorriso do Lagarto, que ainda não está nos canais oficiais. Ou maratonar os capítulos de tramas que estavam sendo exibidas na <i>Globo</i> e no <i>Viva</i>.
De acordo com um dos moderadores desse grupo, que prefere não se identificar, eles começaram a receber notificações de que estavam infringindo a lei de direitos autorais. Segundo ele, isso começou depois que um blogueiro fez uma postagem dizendo que era possível encontrar na internet novelas com qualidade de imagem superior às disponíveis no Globoplay. Por isso, o grupo foi encerrado. A plataforma reconhece o problema e diz que já tem um calendário – que vai até abril – para que as tramas que ainda não estejam em HD tenham sua imagem atualizada.
<b>Mais opções</b>
Nem só de produções antigas vivem os noveleiros. Na Netflix, a comédia romântica 100 Días Para Enamorarnos, produzida pela rede americana de língua espanhola Telemundo, entrou em catálogo em setembro e ficou no ranking das atrações mais vistas na plataforma.
Protagonizada pelos atores mexicanos Erick Elias (de Betty em NY) e Ilse Salas, a trama aborda temas como relacionamentos, bullying e homossexualidade e tem 57 capítulos disponíveis – as gravações foram paralisadas por conta da pandemia de covid-19, mas já foram retomadas. Já na Amazon Prime Vídeo é possível assistir, desde novembro, aos 125 capítulos de 100 Días Para Enamorarse, produção argentina escrita por Sebastián Ortega na qual 100 Días Para Enamorarnos foi inspirada. A versão original foi ao ar em 2018 pela Telefe.
Na Globoplay, a expectativa é para a continuação de Verdade Secretas, prometida para estrear primeiro no streaming. Escrita por Walcyr Carrasco e Maria Elisa Berredo, a trama, de 2105, contou a história de Angel (Camila Queiroz), uma aspirante a modelo que, ao entrar para o mundo da prostituição, conhece o ambicioso empresário Alex (Rodrigo Lombardi). Verdades Secretas 2, como tem sido chamada, ainda não tem nada para estrear, mas, além de Camila Queiroz, atores como Romulo Estrela, Sergio Guizé e Reynaldo Gianecchini já foram confirmados no elenco.
Para os "noveleiros raiz", a grande novidade já anunciada – porém, sem data prevista – é a inclusão no Globoplay da primeira versão de Pecado Capital, sucesso de Janete Clair de 1975 (não há nenhuma trama dos anos 1970 disponível), reexibida pela última vez na TV aberta em 1982. "A expectativa é imensa. Uma das novelas mais brilhantes não apenas de Janete Clair, mas da história da telenovela brasileira", diz Alencar, que a adaptou em formato de romance.
Mas eles querem mais. "Por favor, pode colocar que queremos ver mais opções de minisséries, como Ciranda, Cirandinha e Delegacia de Mulheres?", pergunta Ana Gabriela, que não se diz satisfeita com a exibição de Anos Dourados no Viva. "Passa uma vez por semana. Até chegar o outro domingo a gente esquece o que aconteceu no episódio anterior. Uma minissérie de 20, 30 capítulos eu vejo de uma vez só."
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>