Estadão

Chico Buarque e Mônica Salmaso chegam a SP com o canto ressignificado pelo tempo

Em algum momento desta história, Chico deve ter pensado: "Quem?". Quem, qual cantora, estaria a seu lado pela longa temporada de shows que ele estrearia antes de 2022 acabar, antes das eleições, com o País em ebulição. Por estar próxima depois de alguns projetos especiais, mas sobretudo após uma rara participação de Chico cantando João e Maria em sua excepcional série afetiva Ô de Casas, feita com 175 encontros musicais durante a pandemia, Mônica Salmaso era um nome teoricamente natural.

Em 2021, ano do cinquentenário do álbum Construção, Chico fez a primeira proposta. Queria Mônica a seu lado para fazerem juntos os shows com o repertório do disco. Mônica foi ao céu, mas um novo surto de covid impediu o projeto de seguir adiante. Tempos depois, Que Tal um Samba?, o single que Chico lançou em 2022 , inspirou uma nova turnê, também grandiosa, com um repertório capaz de abrir asas sobre as sete décadas que receberam canções de Chico. Enfim, Mônica Salmaso estaria a seu lado.

Depois de iniciarem a turnê pelo Nordeste e passarem pelo Rio de Janeiro, Chico e Mônica chegam a São Paulo a partir desta quinta-feira, 2, na casa de shows Tokio Marine Hall. E duas datas extras foram anunciadas nesta terça: 7 e 8 de abril. "Acredita que estou nervosa? Será a plateia que terá as pessoas que eu conheço, a minha cidade", diz, exalando mais leveza do que tensão. Ela conta que sua presença ao lado de um ídolo não a reduz, provocando algum exagero reverencial, nem explode seu ego pela validação. Como chegar a esse equilíbrio?

"Entendo o que você diz, mas sou apenas eu ali, porque as canções de Chico são a minha casa desde a infância. Cresci ouvindo cada canção daquelas. Acaba sendo natural." Os dois casos seriam um perigo. A armadilha do primeiro levaria ao excesso de discrição e a do segundo, ao oposto. Mônica conta o que Marieta Severo, atriz, ex-mulher e amiga de Chico, lhe disse depois de assistir ao primeiro ensaio com os dois no palco. "Olha, está tudo lindo, mas você pode parar com esse negócio de ficar dois passinhos atrás dele, tá?"

<b>RESISTÊNCIA E ACOLHIMENTO</b>

O show foi levantado com Mônica recebendo carta branca para escolher o que cantaria na abertura (uma abertura curta, ela pediu, antes que os amendoins começassem a voar em sua direção, fala com graça) e Chico decidindo todo o desenho restante. E estreou durante uma das épocas mais delicadas da história social do País. Vieram as eleições, a troca de governo, as tensões pós posse do presidente Lula e a turnê seguiu absorvendo em tempo real um efeito não intencional, mas incontornável. O que de Chico soava resistência tornava-se acolhimento, o que parecia rompimento voltava a reunir. "Ele foi inteligente em escolher um repertório que não tornasse o show um ato apenas político", diz Mônica.

De fato, Chico não usa algumas canções emblemáticas, sejam politizadas ou não. Se nada mudar, não farão parte do roteiro Cálice, Vai Passar, Brejo da Cruz, Ligia, Retrato em Branco e Preto, Todo Sentimento, Apesar de Você, Meu Caro Amigo, Construção (que acabou de fazer 50 anos) ou Deixa a Menina. Coisas de Chico. Mas estarão Beatriz, Paratodos, Choro Bandido, Futuros Amantes, Tua Cantiga, O Meu Guri, Noite dos Mascarados, As Caravanas e João e Maria. É um ponto curioso. Chico pode fazer dois ou três shows diferentes, de uma hora e meia cada, sem repetir canções que as pessoas cantam com ele.

Mônica Salmaso, 52 anos, já foi citada por Edu Lobo como uma artista das mais coerentes de seu tempo. E isso porque ela parece estar na contramão do que passou a ser considerado coerente. É discreta, não conduz seu canto na direção dos ventos nem está inserida em grupos com hegemônicos lugares de fala sociais. De certa forma, sua escolha por Chico é a vitória de algo que há tempos cedeu espaço para outras urgências: a excelência artística. E nisso, nenhuma outra cantora poderia estar no seu lugar.

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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