Enquanto cumpriam a temporada de Circo Negro, no ano passado, os integrantes da curitibana Companhia Senhas passaram por momentos tenebrosos. Algumas coisas sombrias aconteceram, como a perda de pessoas próximas ao elenco e a quebra da perna do sonoplasta do espetáculo. Essa energia acabou pesando na definição do trabalho seguinte. No último mês de fevereiro, o grupo estreou, em Curitiba, a densa Obscura Fuga da Menina Apertando sobre o Peito um Lenço de Renda. A montagem sai de sua cidade-sede pela primeira vez para estrear, nesta quinta-feira, 9, em São Paulo, no Sesc Belenzinho.
A identificação da trupe com o dramaturgo argentino Daniel Veronese também foi determinante, visto que é ele o autor tanto de Circo Negro como de Obscura Fuga… “Cada um de nós conheceu o Veronese em um momento diferente”, diz a diretora, Sueli Araujo, que, geralmente, escreve os textos que o grupo encena.
“Em uma conversa, percebemos que tínhamos a necessidade de visitar outros autores.” Como Circo Negro foi criado para ser executado com atores e bonecos, após o término do trabalho, a Cia. Senhas teve vontade de melhorar a compreensão da dramaturgia do argentino. Selecionaram, então, Obscura Fuga….
A protagonista da montagem é Martina, personagem que não aparece na peça, que aborda, justamente, o seu sumiço. O enredo começa com os pais da menina relendo, pela enésima vez, a carta na qual ela se diz insatisfeita com a casa onde está e, por isso, resolve fugir. Desesperados, eles começam a buscar explicações para a decisão da filha, enquanto relembram momentos da rotina com ela e até disputam o amor que Martina sentia por eles. Depois disso, outros personagens entram na residência do casal: o suposto namorado da menina e sua melhor amiga. Ambos levam cartas nas quais Martina, ao contrário do que escreveu na primeira correspondência, expressa alegria em estar no local. Um problema maior se instaura na chegada de um último personagem, que revela que nem tudo é o que parece – ou talvez seja.
“A questão, na verdade, não é a Martina, mas a dificuldade humana de lidar com a perda”, observa Sueli. “A ausência repentina cria um vácuo, e é nesse espaço que trabalhamos. Como assimilar esse desaparecimento?” A diretora vê uma relação direta do texto com as Mães da Praça de Maio – grupo de mulheres portenhas que perderam seus filhos durante a ditadura militar na Argentina, terra de Veronese.
A encenação ocorre em um cenário que faz as vezes da casa de Martina. No local, não há divisão de palco e plateia: cadeiras de madeira, de diferentes tipos, são colocadas em superfícies com rodas e espalhadas pela casa. A ideia é de que a circulação dos atores na cena provoque um movimento do público. A técnica integra a pesquisa de corporalidade do ator, linha que norteia o grupo desde sua criação. Com foco no físico, o elenco considera a plateia como parte ativa do espetáculo, percebendo seus movimentos e respondendo a eles. “Se alguém se move, isso me toca e eu reajo fisicamente”, explica Sueli. É uma forma de manter a montagem viva, sempre diferente. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.