Estadão

Clientes da Amil sofrem por atendimento após transferência de plano para a APS

Com plano de saúde familiar da Amil contratado há 26 anos, o aposentado S., da cidade de São Paulo, foi surpreendido ao saber que os hospitais e laboratórios que sua família mais utilizava foram descredenciados pela operadora. Com 74 anos e um problema recorrente de coágulos no sangue, ele, a mulher de 66 anos e uma filha de 22, com diagnóstico de esquizofrenia, dependiam desses hospitais e laboratórios para consultas e atendimento de urgência. O descredenciamento foi durante a transferência dos planos de saúde da Amil para a APS – Assistência Personalizada em Saúde, com sede em Jundiaí (SP). Desde 1º de janeiro, 337.459 beneficiários de planos individuais e familiares da Amil nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná foram transferidos para a APS.

Ele recorreu à Justiça. Em 27 de janeiro, a juíza Andrea Trigo, da 2ª Vara do Juizado Especial Cível de Santo Amaro, na capital, deu prazo de dez dias para que a Amil recredencie os hospitais Samaritano Paulista, Paulistano, Vitória – Anália Franco, Alvorada – Moema, e os laboratórios Delboni, Salomão Zoppi e Hermes Pardini com as mesmas coberturas e nos moldes do plano contratado pelo aposentado.

A Amil, que vai recorrer, alegou na contestação que o cliente não ficou desassistido, pois o descredenciamento foi parcial, havendo outros hospitais e laboratórios em condições de dar o atendimento. Lembrou ainda que não é obrigada a manter aqueles hospitais na rede, havendo outros que podem prestar a assistência adequada. Já a magistrada entendeu que a Amil não demonstrou ter substituído as unidades descredenciadas por outras de mesmo padrão.

A mudança para a APS foi aprovada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e, segundo a operadora, não apresentou alterações para o consumidor, já que os serviços e valores permaneceram os mesmos. Os detentores dos planos, no entanto, não concordam – alguns falaram ao <b>Estadão</b> sob a condição de anonimato.

Só na página oficial da Amil em rede social, 39 associados postaram reclamações nos últimos 30 dias – oito na última semana. Uma delas é de uma paciente de Osasco que fez cirurgia de tireoidectomia total em 2 de dezembro e iniciou o pós-operatório na Unidade Avançada Lapa do Hospital Metropolitano. Como o médico pediu biópsia, ela voltou para o hospital com o resultado apontando um câncer, mas não teve a consulta liberada porque o hospital tinha sido descredenciado pela Amil.

Já a aposentada V., de 71 anos, moradora da capital, contou que fazia tratamento e consultas no H.Olhos e, em casos de urgência, passava pelo pronto-socorro do hospital. Há 60 dias, quando teve uma emergência, procurou a unidade e soube que tinha havido o descredenciamento e não poderia ser atendida pelo plano. "Fiquei possessa por estar com dor e sem poder passar pelo PS. E me senti muito mal por não ter sabido antes", disse. Segundo ela, outra unidade de pronto-atendimento e um laboratório que usava sempre também foram cortados.

Conforme o advogado Elton Fernandes, especialista em Direito da Saúde e que assessorou S. na ação judicial, embora a ANS tenha autorizado a transferência dos planos da Amil para a APS, não houve autorização para fazer todo o descredenciamento realizado pela operadora. "A rede credenciada de um plano de saúde não é imutável, mas não se pode simplesmente tirar o usuário de um plano e passar para outro que não oferece as mesmas condições", disse. Ainda mais, segundo ele, quando as mesmas operadoras usam a qualidade e disponibilidade da sua rede credenciada para atrair o consumidor e vender o plano.

Foram essas características que levaram a família de S. para o convênio da Amil. "Tinham bons hospitais e laboratórios muito próximos de nossa casa. Meu marido faz exames quase todo mês e descobriu que o (Hospital) Paulistano já não atendia pela Amil da pior forma possível. Ele teve embolia devido ao coágulo e procurou o hospital, que não atendia mais. Foi indicado o Samaritano, fomos e lá também não atendia. Entramos em pânico porque a gente precisava do apoio do plano e não teve. Tiraram hospitais e laboratórios, mas não reduziram o valor do plano", disse a mulher do aposentado.

A comerciante Eliane Luiz Neres, moradora da Bela Vista, em São Paulo, contou que sua família tem plano familiar de pessoa física desde 2008 e optou pela Amil por causa da rede credenciada. "Os hospitais e laboratórios são bons e ficam próximos, mas foram descredenciados. As opções que deram não nos atendem. Como faremos em uma situação de urgência? Já precisamos da emergência do hospital Santa Catarina por um problema de pedra nos rins, e agora não temos mais. O laboratório que descredenciaram tem todo nosso histórico de exames e não substituíram por nada que esteja à altura dele", disse. A família também entrou com ação contra a Amil e aguarda decisão.

O empresário W., de Sorocaba, tinha o plano da Amil há mais de dez anos e não se conformou com a mudança para uma operadora cuja rede considerou bem menor. "Pago um plano nacional e esse plano APS é todo regional. É um absurdo o governo deixar fazer isso, prejudicando o consumidor que já não tem nenhum direito nesse País." Depois de vários contatos com a Amil, sem conseguir retorno satisfatório, ele decidiu cancelar o convênio das três empresas que administra.

Após receber dezenas de queixas de usuários do plano, o Procon SP, órgão estadual de defesa do consumidor, notificou a Amil e a APS cobrando explicações sobre as mudanças e as garantias dadas ao consumidor de que não haveria perda de qualidade no atendimento. Conforme o órgão, as respostas foram insuficientes. Questionado nesta segunda-feira, 7, sobre novas medidas adotadas em relação ao caso, o Procon não respondeu até a conclusão da reportagem.

<b>Prioridade para idosos</b>

Para a advogada Mérces Nunes, especialista em Direito Médico, essa é uma discussão que está apenas começando. "Quando um operador de planos de saúde vende sua carteira, é normal que o adquirente ofereça nova rede de credenciados. A regra diz que o operador deve fazer a comunicação prévia aos associados. Mesmo que a Amil tenha comunicado seus usuários, a APS não pode mudar nada do contrato. Então, todo o serviço que o plano oferece precisa ser mantido", disse.

O grande problema da transferência dos planos de saúde para a APS, segundo ela, é que a carteira da Amil é composta majoritariamente por idosos. "Essa é uma agravante da operação, pois os idosos têm, ou deveriam ter toda a preferência. São pessoas que vêm pagando o plano de saúde há muito tempo e agora não têm a saúde de um jovem ou adolescente. Muitos estão em tratamento que não pode ser mudado sem afetar a sua condição de saúde."

Mérces acredita que, além de ações individuais, serão propostas ações coletivas contra a operação entre a Amil e a APS. "Casos de tratamento interrompido com certeza serão examinados. Se o paciente sai de um hospital e vai para outro sem a mesma condição e sofre algum dano na saúde, isso vai gerar reparação. Tenho o sentimento de que, em ação coletiva, o Judiciário pode até reexaminar a própria operação para dizer se ela é válida ou não", disse.

<b>Tratamentos continuam</b>

A ANS informou que, mesmo com a transferência parcial da carteira da Amil para a APS, os termos dos contratos dos beneficiários continuam os mesmos. Mudou apenas a operadora, que era a Amil e agora é a APS. Beneficiários de outros Estados e de planos que não foram transferidos permanecem na Amil. "Os tratamentos em curso não podem ser interrompidos e os agendamentos realizados antes da transferência devem ser mantidos", disse, em nota.

Conforme o órgão regulador, a rede de prestadores (hospitais, clínicas, laboratórios e profissionais de saúde) da APS é a mesma que tinha a Amil para os planos transferidos. Sobre os descredenciamentos feitos pela Amil antes de transferir os planos, a agência disse que qualquer operadora pode solicitar alteração em sua rede credenciada, mas só serão autorizadas se estiverem de acordo com as normas.

As exclusões de prestadores hospitalares são solicitadas à ANS por meio eletrônico, com análise de aproximadamente 24 horas. As operadoras são obrigadas a comunicar os beneficiários sobre todas as alterações na rede conveniada. "Para averiguação da reclamação de descredenciamento específica, é necessário apurar o caso concreto, sendo fundamental o nome do prestador hospitalar descredenciado", disse.

Ainda segundo a agência, é permitida a substituição de entidade hospitalar por outra equivalente, desde que comunicada com 30 dias de antecedência aos consumidores e à ANS. No caso de qualquer irregularidade, o beneficiário deve entrar em contato com a agência, por meio de seus canais de atendimento (Disque ANS 0800 701 9656 ou pelo Fale Conosco do site).

Os consumidores que não quiserem ir para a nova operadora poderão verificar a possibilidade de portabilidade de carências. O beneficiário deve estar com os pagamentos em dia e cumprindo o prazo de permanência. Conforme a agência, a APS atua no mercado de saúde suplementar desde 1999 e possui 11.543 beneficiários. Com o recebimento da carteira da Amil, passa a ter 348.993 usuários. Segundo a ANS, não houve pedido de mudança no controle societário da APS.

<b>O que diz a Amil</b>

Em nota, a Amil informou que as movimentações na rede credenciada são inerentes à dinâmica da operação de planos de saúde e extensivas a todas as modalidades de planos, incluindo os individuais, coletivos e coletivos por adesão. "Essas substituições seguem rigorosamente as normas da ANS no que se refere à comunicação, garantia de cobertura, padrão de qualidade, prazos de atendimento e distribuição geográfica. Essas informações ficam disponíveis no aplicativo e no site da operadora para consulta a qualquer momento", disse.

A empresa disse reiterar que não houve modificação de rede credenciada e de contrato vigente com os beneficiários em função da transferência de carteira ocorrida em 1º de janeiro. "Os canais de atendimento da operadora estão à disposição dos beneficiários para dúvidas e informações adicionais." Em relação ao processo do aposentado S., a Amil informou que irá recorrer, "pois não houve qualquer negativa de cobertura para o beneficiário", tratando-se de "ação ajuizada de forma preventiva".

Procurada, a APS informou que, nesse período de transição, as questões relativas ao atendimento dos beneficiários dos planos continuam sendo respondidas pela Amil.

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