De uma hora para a outra, sair de casa, fazer a mala e embarcar em um avião. O fechamento de comércios, a limitação de serviços e o medo de um agravamento da epidemia do novo coronavírus têm levado parte dos brasileiros residentes na China a deixar o país por tempo indeterminado.
<b>Êxodo de brasileiros da China</b>
A empresária Isis Sampaio, de 29 anos, por exemplo, trocou temporariamente Guangzhou – a quase mil km de Wuhan, epicentro do surto – pela espanhola Alicante há uma semana. Até então, ela e o marido estavam acompanhando pouco o noticiário sobre a virose para ficar mais tempo com o filho, Noah, de 1 ano.
"A gente fala um pouco, mas não lê chinês. Sabia que o vírus estava circulando, mas não a proporção, até que um amigo ligou dizendo que iria embora", relata a brasileira, nascida em Duque de Caxias, no Rio, e na China há quase dez anos. Isis já havia percebido mudanças na rotina, como o comunicado do condomínio que dispensava os funcionários e proibia a entrada de não moradores. Ela relatou parte dessa experiência em uma postagem no canal que mantém no YouTube.
Relatos sobre dificuldades de atendimento em hospitais foram um dos principais motivos para a saída. "A gente tem uma criança pequena. Se ele (o filho) fica doente e não tem como ser atendido?", indaga Isis.
Ter um bebê também foi um dos motivos para a consultora de imagem Evelyn Pinheiro, de 31 anos, adiantar as férias que passaria com a família em Novo Hamburgo, região metropolitana de Porto Alegre. Ela deixou a China com o filho, Antônio, de 9 meses, e o marido. "No início, não assustou. Wuhan fica relativamente longe (cerca de mil quilômetros) de onde a gente mora", lembra.
"Em questão de dois dias, a gente viu que estava sério. O meu marido é piloto de avião. Eles (a empresa) obrigaram toda a tripulação a usar máscaras, todos os passageiros usavam máscaras. Na entrada do aeroporto, mediam a temperatura", conta. "Aí fecharam Wuhan, com todas as pessoas em quarentena. Depois já fecharam o comércio, as indústrias, os parques, os pontos turísticos da minha cidade e de outras."
Evelyn conta que levou três dias até encontrar máscaras para comprar. "Chegava em casa e era um excesso de higiene, sempre lavando as mãos. Na rua, bem vazia e com locais fechados, tentava não encostar em nada."
Há alguns dias, a companhia aérea em que o marido de Evelyn trabalha cancelou os voos e dispensou os funcionários estrangeiros por tempo indeterminado. "Eu e o nosso bebê vamos ficar no Brasil até a situação se normalizar", diz.
Férias forçadas. Por causa do surto, a pesquisadora Joana Molgaard, de 36 anos, não retornou para Xangai (a 800 quilômetros de Wuhan) e estendeu as férias nas Filipinas com o marido, Thomas, e a filha, Clara, de 3 anos. "As coisas mudaram de uma hora para a outra. Saímos (do país) com o vírus (em 23 de janeiro), mas preparados para voltar no dia 4. No fim, o nosso voo foi cancelado e a gente já sabe que vai ficar para depois do dia 12."
"A vida em Xangai, uma cidade fantasma, está bastante afetada. Empresas estão fechadas. A creche da minha filha teria voltado no dia 6, depois foi para 17 e, agora, já recebi outro e-mail de que foi adiado até o fim de fevereiro, sem data certa."
Nas Filipinas, Joana percebeu um cenário diferente das outras vezes que visitou, em que os chineses eram a maioria dos turistas. Ela tem evitado dizer que mora em Xangai. "As pessoas arregalam os olhos na hora, parece que estão vendo uma praga do século 15."
Carioca, ela casou na Muralha na China há nove anos. Morou na Inglaterra e tinha se mudado para Xangai há menos de seis meses do início do surto. "Estava procurando emprego, mandando currículo. Tive de suspender tudo. Estamos no meio de um limbo, bem quando estávamos ajustando a vida."
<b>Deixavam na porta, aí a gente abria e pegava com luva</b>
A capixaba Renata Thaidut, de 36 anos, ficou quase duas semanas em casa, em Xangai, até conseguir passagens para sair da China. Foram necessários três voos e quatro dias até chegar em Ottawa, Canadá, com os sogros, o marido, e os filhos, Joshua, de 10 anos, e Jacob, de 5. No trajeto, utilizaram algumas das 300 máscaras compradas, além de luvas e óculos de proteção. "Estava uma situação paranoica."
Funcionária em uma empresa de comércio eletrônico, Renata está trabalhando a distância, enquanto seus filhos estão tendo aulas por meio de um aplicativo da escola. Em Xangai, passou duas semanas comprando tudo pela internet. "Deixavam a embalagem na porta, aí a gente abria e pegava com luva e com máscara para não ter muito contato." Agora, também não sabe do futuro. "Não pretendo voltar enquanto a situação não melhorar."
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>