Não houve outro dia no The Town tão desigual quanto este sábado, 9, em que todos os artistas além do principal, por mais que se esforçassem e fossem brilhantes, pareciam fazer apenas shows de abertura inconvenientes para um público que esperava apenas pelo show grandioso do Foo Fighters.
Depois de três dias mais ecléticos e pop, o festival paulista The Town ganhou um dia dedicado ao rock. Os fãs de Foo Fighters puderam aproveitar, além da entrega total de Dave Grohl, uma organização aperfeiçoada pelos erros dos dias anteriores, um clima ameno e som no talo.
A enorme quantidade de gente para entrar nos portões não diminuiu nesse 4º dia de evento. Mas a movimentação já era bem diferente. Pela primeira vez o portão 9 contou com uma grade que impedia os "fura-fila" e facilitava o fluxo dos participantes. Às 15h, uma hora depois da abertura dos portões, a fila surpreendia (positivamente) pelo tamanho. Algo bem diferente do primeiro dia de festival.
O palco principal, Skyline, foi aberto com o show da roqueira baiana Pitty, que trouxe arranjos novos para seus clássicos dos anos 2000 com a Nova Orquestra. Depois disso, porém, se o Foo Fighters era o maior ponto positivo, a expectativa por eles foi provavelmente a maior desvantagem – o público guardou energia até demais durante o dia, gerando uma recepção fria para as outras atrações do palco.
As mulheres não deixaram o sarrafo cair. Com o carisma de Shirley Manson, Garbage fez um ótimo show mesmo sem o entusiasmo da plateia. O grupo de Karen O, Yeah Yeah Yeahs, trouxe seu rock explosivo em um espetáculo de luzes e bom gosto. E se a audiência não recebeu as bandas com fervor, todas as atrações internacionais do palco principal saudaram umas às outras – como se fossem um lineup de amigos.
<b>Foo Fighters</b>
Talvez seja a primeira vez em um festival que as atenções estivessem mais voltadas para o baterista do que para o próprio vocalista. Josh Freese: músico de estúdio, 50 anos, filho de um maestro de uma banda da Disneylândia, Freese teve seu primeiro teste diante dos brasileiros na noite deste sábado, 9, ao lado do Foo Fighters. A cadeira que ocupou é cara: ali, por 23 anos, entre 1997 e 2022, quem sentou-se foi Taylor Hawkins, um dos bateristas mais virtuosos do rock.
A morte de Hawkins, que também tinha 50 anos, precoce, trágica e às vésperas de um show no Brasil (no Lollapalooza de 2022), deixou os fãs chocados e apreensivos. Afinal, o que seria da banda sobretudo sem a poderosa mão direita de Hawkins? Seria o mesmo Foo Fighters (que já teve na bateria o próprio líder, Dave Grohl)?
Às 23 horas em ponto e essas perguntas começaram a ser respondidas, justamente, pela bateria de Freese. Um solo estrondoso com a guitarra de Grohl para a entrada de All My Life. Muita pressão, como se derrubassem juntos uma muralha de aço.
<b>Yeah Yeah Yeahs: show explosivo para indústria cafona</b>
O show da banda de Karen O na noite deste sábado foi uma consequência da escolha deles mesmos, de seguir fazendo shows explosivos de rock de garagem mesmo em espaços muito maiores que isso. Uma apresentação incrível de uma banda que sabe usar vocais e guitarras de rock de um jeito que parece ao mesmo tempo inovador e raiz, para um público que não ligava muito para isso. É que eles estavam abrindo para o Foo Fighters, uma banda que fez a opção oposta uma década antes: pegou o legado combativo do Nirvana e fez tudo o que podia para transformar em rock de arena amigável.
Mesmo assim, a história foi essa em todo os sentidos, do som à luz. A banda usa bastões de luzes coloridas que vão dando o clima ao longo do show, com bom gosto e sutileza. Algo que não combina muito com o The Town, inimigo do sutil. Com se não bastasse, uma pessoa presa na tirolesa fez a banda interromper o show no final.
<b>Wet Leg falta em público, mas sobra em charme</b>
Com somente um disco autointitulado no portfólio e cerca de 2 anos de carreira – mas já apadrinhadas por ninguém menos que Dave Grohl -, as britânicas do Wet Leg ostentaram charme na visível timidez. Faz sentido: elas têm pouca experiência para tanta oportunidade (o que transbordou em emoção na guitarrista Hester, que chorava no meio da apresentação).
Apesar de serem a última atração do palco The One, o show contou com uma minúscula fração das 100 mil pessoas, que já estavam em peso no palco principal; mas quem estava por ali tinha todos os versos na ponta da língua, o que visivelmente agradou Rihan e Hester. "Como chegamos até vocês? Somos de tão longe", disse a vocalista.
Indiscutivelmente descoladas, ainda que pouco pertencentes àquele contexto, as artistas entoaram suas letras espertas com alegria. O negócio delas é o contraste: vestidinhos e guitarras, versos cômicos com expressões sérias. E muitas vozes cantando Chaise Longue, mesmo que de poucas pessoas. (Dora Guerra)
<b>Garbage faz show tecnicamente perfeito para plateia fria</b>
A cantora e modelo Shirley Manson, uma escocesa de 57 anos que se tornou uma espécie de força feminina do rock indie dos anos 90, tem uma presença pra lá de marcante. No show de sua banda, Garbage, no palco Skyline, a artista fala bastante, elogia a atração que iria fechar a noite, o Foo Fighters, e começa Special, quando as coisas ficam mais pesadas. Wolves pega sua plateia pelo coração e Cities in Dust é anunciada com a mesma vibe nostálgica, citando até a MTV dos velhos tempos.
Além de três ou quatro músicas mais recentes, eles não puderam mostrar muitas faixas do álbum de 2021, seu mais recente, No Gods No Masters, mas é sobre esse título que parece sempre se inspirarem. "Sem deuses, sem mestres" é uma expressão anarquista ligada à libertação pessoal e, por isso, suas letras pregam o fim do materialismo, do individualismo, do racismo e do sexismo.
Um show tecnicamente perfeito para uma audiência talvez mais preocupada com a chegada do Foo Fighters.
Barão Vermelho tem nítida ausência de Frejat, mas compensa bem com Samuel Rosa
O grupo Barão Vermelho se apresentou para uma plateia lotada em frente ao palco The One. Rodrigo Suricato, atual vocalista, não é Frejat e isso pesa, sobretudo em show de hits. Codinome Beija Flor era melhor ter ficado de fora, por exemplo.
Sábia foi a decisão de alocar a participação de Samuel Rosa nas últimas músicas da apresentação. Vou Deixar tem adesão quase que unânime em qualquer plateia. Deu mais certo do que Puro Êxtase.
Para encerrar, Pro Dia Nascer Feliz mostrou que se ausência de Frejat é sentida, a presença de Cazuza permanece na força de sua poesia. (Danilo Casaletti)
<b>Tico Santa Cruz pede que inimigos políticos se abracem</b>
A banda Detonautas Rock Clube foi a segunda atração do Palco The One.O grupo liderado pelo cantor e compositor Tico Santa Cruz optou por fazer um show repleto de hits – e essa nostalgia sonora tem dado o tom no festival -, tocando músicas como Só Por Hoje, Quando o Sol Se For e Aposta.
O público se animou até mesmo com a participação de Vitor Kley que, sozinho, cantou Morena e, com o reforço de Tico no vocal, colocou o público para cantar o hit pop chiclete O Sol.
Depois de convidar seu filho, Lucas Fontenelle, ao palco, Tico pediu que todo mundo – no gramado do The Town e em casa – abraçasse quem estivesse ao seu lado, mesmo que a pessoa pensasse diferente, sobretudo politicamente.
"Ninguém é inimigo de ninguém em uma democracia", disse.
<b>Pitty leva instrumentos de música clássica para o dia de rock</b>
Pode ser estranho ver um palco de rock com violinistas, violoncelo, trompetes e uma maestrina. Mas para Pitty, que abriu o palco Skyline neste sábado, os estilos conversam. E quem pagou para ver teve a mesma conclusão.
Mais do que isso, para quem ouvia a tal celebração de 20 anos do álbum Admirável Chip Novo, era uma forma de ressignificar as músicas que foram ouvidas pela primeira vez no rádio ou no MP3. Dessa vez era ao vivo, com direito ao toque mágico (e inédito) da Nova Orquestra – e, para os fãs, um milhão de sentimentos da memória que estavam embutidos naquelas canções.
"Cara, tô me sentindo com 14 anos", falou um moço na plateia. E a sensação era essa mesmo: de nostalgia.