Com a fama de ser um hábil comunicador, o economista Bruno Funchal assume nesta semana o comando do Tesouro com o desafio de virar a chave do período de aumento de gastos, durante a pandemia da covid-19, para a fase de retomada econômica aliada à reversão da trajetória explosiva da dívida pública.
Um dos mais jovens nomes a chefiar o Tesouro, Funchal, de 41 anos, segue a cartilha "fiscalista" do ministro da Economia, Paulo Guedes, mas enfrentará o momento de maior pressão desde a aprovação em 2016 do teto de gastos, a regra que impede o crescimento das despesas de um ano para outro acima da inflação.
Sob bombardeio crescente, o teto – apontado pela equipe econômica como a "âncora fiscal" que sustenta juros e inflação baixa – pode não aguentar e sofrer flexibilizações pelo Congresso, com apoio ainda discreto e submerso das alas militar e política do governo.
A orientação de Guedes é segurar o avanço e mostrar que a saída do atual secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, não será um divisor de águas para mudanças nas regras fiscais e da política econômica. Mansueto era visto pelo mercado como o "bombeiro" contra as tentativas de aumento de gastos e a sua saída causa preocupações de desvio de rota.
Guedes quer aproveitar a fase de taxa de juros baixa atual, em que a dívida crescerá nos próximos dois anos com juros real menor do que o crescimento da economia, para ajustar as contas públicas. A aposta do ministro é que um secretário de "fácil diálogo" pode ajudar na relação com os parlamentares. Ele também é muito próximo a Esteves Colnago, que comanda a área que faz essa ponte com o Congresso.
O primeiro grande teste já começa no fim de agosto, quando o governo terá que enviar ao Congresso o projeto de Lei do Orçamento de 2021 – que pode indicar as reais condições de manutenção do teto de gastos não só em 2021 como nos próximos anos.
<b>Comentarista</b>
A facilidade de se comunicar e explicar bem assuntos técnicos, aliada à tranquilidade nos momentos mais tensos, vem da experiência do novo secretário na academia. Carioca, com doutorado na Fundação Getúlio Vargas e pós-doutorado no Instituto Nacional de Matemática Aplicada, Funchal se mudou para Vitória para ser professor da Fucape, escola de negócios do Espírito Santo. Naquela época, foi comentarista de economia da rádio CBN local.
O período em que foi secretário de Fazenda do Espírito Santo, nos dois últimos anos do governo Paulo Hartung, entre 2017 e 2018, também ajudou. Foi uma época difícil para o governo estadual de pressão por aumento de gastos de pessoal, crise hídrica, tombo nas receitas de royalties de petróleo e perdas depois do acidente da mineradora Samarco.
"Ele teve de entrar no jogo jogando", diz Hartung, observando que o governo vai ter que se comunicar bem com a sociedade para barrar a mudança no teto. "Isso pode ajudar muito no debate", diz o ex-governador, que vê na manutenção do teto o maior desafio para o Tesouro daqui em diante.
A transição da academia para o setor público se deu após a então secretária de Fazenda, Ana Paula Vescovi assumir o Tesouro na equipe de Henrique Meirelles no Ministério da Fazenda. Até aceitar o convite de Hartung, Funchal nunca tinha atuado no setor público, mas em pouco tempo se adaptou à nova função, sobretudo no diálogo com a Assembleia Legislativa e o Judiciário.
<b>Conexões</b>
A ponte de Funchal com a burocracia de Brasília começou quando ele integrou o grupo de trabalho montado por Henrique Meirelles para desenhar o projeto de revisão da Lei de Falências e Recuperação judicial. Funchal era um dos acadêmicos com mais artigos publicados sobre o tema.
Em Brasília, conheceu o atual secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, que o convidou depois para uma diretoria na equipe de Guedes. No time, ajudou a elaborar Propostas de Emenda Constitucional (PECs) do Pacto Federativo e Emergencial – as duas, com tramitação interrompida na pandemia – e das negociações com os Estados.
Nos últimos dias, tem se empenhado na aprovação de projeto de desvinculação de recursos de 29 fundos públicos, de autoria do deputado Mauro Benevides (PDT-CE) para o pagamento de gastos com a pandemia. Depois do anúncio da sua indicação, Funchal já teve, ao lado de Mansueto, seguidas reuniões com investidores domésticos e estrangeiros, a maioria interessada em saber o futuro do teto de gastos.
Para Mansueto, além de tecnicamente preparado, Funchal tem a experiência das reuniões do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), colegiado formado por secretários de fazenda dos Estados. Mansueto diz que a questão financeira dos Estados voltará no segundo semestre. "A manutenção do teto é uma política de governo. Um secretário não consegue sozinho defender o teto", alerta Mansueto, que deixa o Tesouro na quarta-feira. Ele diz que, com ou sem teto, o governo atual e o próximo vão ter de lidar com o déficit público e o ajuste fiscal.