Um dia após Jair Bolsonaro reagir ao presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, e admitir a possibilidade de usar "pólvora" para resolução de conflitos, auxiliares do Palácio do Planalto disseram não haver arrependimento do presidente sobre as declarações que aumentaram a tensão com o democrata americano. O discurso inflamado desta terça-feira, 10, provocou perplexidade no Congresso e no Supremo Tribunal Federal, mas se transformou em meme de guerra nas redes sociais.
"Exército brasileiro se aquecendo pra guerra contra os EUA", dizia um post publicado ontem no Instagram, com um vídeo que mostrava oficiais rebolando. Depois de Bolsonaro afirmar que, "quando acaba a saliva, tem que ter pólvora", o Exército virou piada.
As Forças Armadas brasileiras foram expostas ao ridículo nas mídias digitais, com imagens de recrutas pintando meio-fio com cal exibidas ao lado de fuzileiros navais dos EUA. Oficiais da ativa disseram, reservadamente, que o episódio levou a comparações "completamente descabidas", como analisar o poderio bélico dos EUA e do Brasil.
No Planalto, porém, a "explosão" de Bolsonaro foi tratada como "pontual" e a expectativa é de que ele volte a baixar o tom. A retomada do estilo "bateu, levou" ocorreu quatro dias depois de o Ministério Público do Rio ter pedido a cassação do mandato de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), por envolvimento no caso das "rachadinhas".
Em cerimônia que tinha na plateia empresários do turismo, o presidente, sem citar Biden, partiu para o ataque ao comentar a ameaça feita pelo democrata, ainda na campanha, de aplicar sanções ao Brasil, caso não haja atuação do governo para combater a destruição da Amazônia. Disse que uma solução apenas diplomática pode não ser possível. "Assistimos um grande candidato a chefia de Estado dizer que, se eu não apagar o fogo da Amazônia, ele levanta barreiras comerciais contra o Brasil. E como é que podemos fazer frente a tudo isso? Apenas a diplomacia não dá, não é, Ernesto?", perguntou ele ao chanceler Ernesto Araújo. "Quando acaba a saliva, tem que ter pólvora, senão não funciona."
<b>Canhão</b>
Na avaliação do ex-secretário de Assuntos Estratégicos Maynard de Santa Rosa, a frase foi inconveniente. "Isso não se fala. Não cabia apelar para isso agora, uma precipitação que só atrapalha", reagiu o general da reserva. "Em tese, Bolsonaro pode ter razão: quando falha a argumentação, o canhão é que dá a resposta. Mas teria que ser mais diplomático."
Na mesma cerimônia, ao se referir à pandemia de covid-19, Bolsonaro disse que o Brasil precisa deixar de ser "um país de maricas" e enfrentar a doença. Depois, publicou o discurso nas redes sociais. A militância mais radical do bolsonarismo comemorou a volta do presidente ao velho figurino. Ministros do STF, por sua vez, consideraram um "equívoco" a estratégia de Bolsonaro de aposentar o estilo "paz e amor" e adotar um tom mais agressivo, politizando a discussão em torno da pandemia.
Bolsonaro está irritado com a cobrança para que se pronuncie sobre a vitória de Biden. Aliado de Donald Trump, ele continua firme no propósito de se manifestar apenas após o fim das ações judiciais movidas pelo atual ocupante da Casa Branca que, sem provas, alega fraude na votação e não aceita a derrota.
Para o senador Otto Alencar (BA), líder da bancada do PSD, o presidente criou "atritos desnecessários" e deve ficar ainda mais isolado internacionalmente. "Bolsonaro critica a vacina da China, o maior parceiro comercial do Brasil, e o presidente eleito dos Estados Unidos, o segundo maior parceiro. Vai ficar isolado. Desafiar outro país não é o que se espera de um estadista", disse Alencar.
O líder da bancada do PT na Câmara, Ênio Verri (PR), e o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) protocolaram ação na Procuradoria-Geral da República que acusa Bolsonaro de crime de responsabilidade por tentar impedir o desenvolvimento da vacina produzida pela chinesa Sinovac. Ainda ontem, no entanto, a Anvisa voltou atrás e autorizou a retomada dos testes.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>