Mundo das Palavras

Coragem de sargento

A mais libertária escola da História da Educação foi fundada como um ato de imensa coragem de Alexander Sutherland Neil. Sua Summerhill School surgiu  em 1921, na contramão do ensino oficial da Inglaterra, em que estudantes eram castigados com varas de marmelos, como os antigos escravos.  
 
No entanto, o tipo de coragem que impressionou Neil, na juventude, foi o de  um sargento que, diante dele, tirou o pino de uma granada e segurou-a, até segundos antes da sua explosão.   
 
Eu próprio conheci um sargento como aquele. No período mais tenebroso da Ditadura Militar Pós-1964. Quando Jornalismo só existiu no Brasil, graças a quem teve coragem parecida com a de Neil. 
 
Onofre Pinto, sargento do Exército, estava no vigor de seus 30 anos. Fui apresentado a ele por Adolfo Carvalho, o amigo que me encaminhou, aos 18 anos de idade, para a Redação do Última Hora. Da qual Samuel Wainer, seu fundador, teve de se afastar, exilando-se na França. 
 
Adolfo era naturalmente comunicativo. Mas seria assim, de qualquer modo, por dever de ofício, como dono de agência de turismo. Entre seus muitos conhecidos havia um grupo de militares excluídos das Forças Armadas, após a deposição de João Goulart, liderados por Onofre, aos quais meu amigo recebia em sua casa.  
 
Por longo tempo, perdi de vista Adolfo e Onofre, ao longo daquela noite que caiu sobre o País, “tremenda, sem esperança”, como descreveu-a Drummond.   
 
Contudo, numa tarde, de 1969, Onofre, de repente, surgiu diante de mim, na Rua da Consolação. Perto do Teatro Record, onde sempre eu entrevistava artistas, como repórter da Editora Abril, em São Paulo.
 
Numa voz tensa, entredentes, ele me disse: – Estão atrás da minha pele. Mas, tenho tido bom aproveitamento.  
 
Era óbvio o sentido da observação. Onofre segurava com firmeza uma pasta fina de plástico, com zíper grande, que facilitava o acesso rápido a seu conteúdo.  Uma arma, pude saber, sem perguntar.  
 
Juntos, andamos um trecho. E, com a proximidade física, a espécie de força animal que repuxava a pele de Onofre nos braços e no pescoço, para mantê-lo alerta, senti em mim. Um ônibus, parou perto de nós. Instintivamente, entramos nele, como num abrigo. Poucos pontos adiante, descemos. E nos despedimos. 
 
Nunca mais soube tive notícia dele. Mas, a presença dele era apontada pela polícia política em ações guerrilheiras. A explosão de um quartel com morte do sentinela. A execução de um oficial americano. Depois, Onofre foi tido como desaparecido político. Só, recentemente, Aluízio Palmar –  pesquisador e também ex-guerrilheiro -, descobriu que ele foi assassinado, de modo medonho, por agentes da repressão. Em 1974, no Rio Grande do Sul. 
 
Quatro décadas se passaram. Hoje, o atentado a bala voltou à política nacional, como registrou, há poucos dias, Jânio de Freitas, articulista da Folha de São Paulo. Com o consentimento e o incentivo das autoridades do País, ele acrescentou.  Outro analista político do jornal, Vladimir Safatle, publicou artigo de título “Nenhuma bala é perdida”. No qual sustentou: quem naturaliza ou minimiza atentados abre a porta para toda forma de reação. Uma dinâmica de guerra civil orienta a vida nacional, ele escreveu. 
 
Assim, o cultivo dos exemplos de Neil e daqueles antigos jornalistas, como Wainer, perdeu seu sentido. Novamente, é a coragem dos dois sargentos que tem serventia ao nosso cenário político. 
 

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