A proximidade da vacina e a limitação de doses trazem ao Brasil o debate mundial sobre quem deve ser o primeiro a receber a imunização: os que têm mais risco de morte ou os trabalhadores considerados essenciais, com mais chance de contrair e transmitir o coronavírus? Há certo consenso de que idosos e profissionais de saúde sejam prioritários. Mas a crise educacional causada pela pandemia tem feito com que os professores sejam apontados como os próximos na lista, destaca o Estadão.
Disputas políticas e a falta de um real plano nacional para a vacina, no entanto, devem fazer com que os profissionais da educação – e todos os outros que não podem fazer home office e são fundamentais para a sociedade funcionar – não sejam vacinados tão cedo.
Na programação do Ministério da Saúde, que foi entregue sexta-feira ao Supremo Tribunal Federal (STF), os professores de ensino básico e superior entrariam na quarta fase da campanha. São 2,3 milhões, o maior grupo entre os 3,2 milhões de profissionais essenciais. Incluem ainda policiais, bombeiros e funcionários do sistema carcerário. Não há data para receberem a vacina.
No plano do Estado de São Paulo, não existe menção aos professores, mas o Estadão apurou que integrantes do próprio governo têm pedido a priorização. A vacina permitiria uma volta às aulas presenciais mais segura e efetiva. Segundo a Secretaria Estadual de Saúde, eles podem ser vacinados ainda no primeiro semestre.
Entre os principais objetivos da imunização para covid, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), estão a redução de mortes e a continuidade dos serviços essenciais em um país. A OMS não fez um ranking sobre quais grupos devem ser vacinados antes. Só listou prioridades: idosos, pessoas com comorbidade, as que vivem em residência de longa duração, trabalhadores da saúde e da indústria alimentícia, professores, policiais, motoristas de transporte público, líderes governamentais.
Ficou para os países a tarefa de escolher os primeiros da fila. A maioria colocou idosos e profissionais de saúde na frente. A primeira pessoa vacinada no Reino Unido foi Margaret Keenan, de 90 anos. Professores e outros trabalhadores estão na segunda fase britânica. A Rússia foi a única, por enquanto, a incluir os docentes na primeira etapa. Nos Estados Unidos, com a aprovação da vacina da Pfizer na sexta-feira, são esperadas as novas recomendações sobre prioridades. Profissionais de saúde e moradores de instituições para idosos devem vir primeiro. Educadores pressionam para serem os próximos.
<b>Rixa</b>
"A prioridade do País nesse momento tem de ser gravidade, hospitalização e óbito, quem está lotando as UTIs. E os trabalhadores de saúde", diz a epidemiologista Carla Domingues, que foi coordenadora do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde, entre 2011 e 2019. Carla defende que a Coronavac, desenvolvida pela chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantã – que hoje faz parte apenas do plano paulista – seja comprada pelo ministério. Só assim, segundo Carla, seria possível atender a mais grupos prioritários. Na opinião dela, os professores deveriam vir após os profissionais de saúde. "Não teremos uma vacinação equitativa sem um plano nacional de imunização."
Com a rixa entre Jair Bolsonaro e João Doria (PSDB), é possível que ao menos 40 milhões de doses produzidas pelo Butantã fiquem só em São Paulo. Nesse cenário, parte da população paulista poderia ser vacinada, ainda que fora da lista de prioridades, antes de outros grupos considerados preferenciais que estejam fora do Estado e dependam da campanha nacional de imunização. O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, chegou a anunciar acordo para ter a Coronavac, mas depois foi desautorizado por Bolsonaro. "O ministério sempre foi o grande cliente do Butantã, 50% das vacinas são produzidas lá", diz Carla. Nos últimos dias, a pasta tem dito que comprará todos os imunizantes com registro na Anvisa.
Serão necessárias, afirma o documento do governo federal, 108 milhões de doses para as fases iniciais, que imunizariam 51 milhões prioritariamente. O texto diz que o Brasil "já garantiu" 300 milhões de doses por meio de acordos". Mas 100 milhões seriam da vacina da AstraZeneca, cuja eficácia ainda não está certa. Outros 70 milhões, da Pfizer, ainda estão em negociação. A Coronavac não foi mencionada.
"Está sob risco quem está tendo exposição", diz o epidemiologista Paulo Lotufo, professor de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Para ele, os trabalhadores de escolas e em outras áreas essenciais deveriam estar na frente dos mais velhos. "Idoso pode se isolar mais, quem tem 75 anos está aposentado. Mas o neto dele, de 30 anos, é caminhoneiro e não pode parar." Para Lotufo, é uma "questão econômica e humanitária", já que muitos trabalhadores essenciais são negros e/ou de classes mais baixas.
"A desigualdade está se aprofundando porque jovens pobres não têm como estudar", diz a deputada federal Tábata Amaral (PDT-SP), que apresentou projeto de lei para que trabalhadores da educação sejam vacinados com os de saúde. Segundo ela, há muitos profissionais de grupos de risco que também precisam voltar para que as escolas funcionem plenamente. "Se a gente entende que educação é essencial, que o direito à educação é inegociável, temos de mostrar isso com a priorização da vacina."
<b>Retomada de aulas</b>
Pesquisas mostram que uma minoria de escolas públicas voltou a funcionar. Educadores têm resistido à retomada, alegando falta de estrutura para protocolos. O sindicato dos professores estaduais (Apeoesp) pediu também a Doria a prioridade. "Após os idosos e os trabalhadores de saúde, tem de vir os professores", diz a presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), Maria Helena Guimarães de Castro. A pandemia deve levar ao abandono de alunos, déficit de aprendizagem e problemas emocionais. Apesar da defesa, os especialistas não condicionam a volta da escola à vacina.
Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, Isabella Ballalai diz que, com a quantidade de doses previstas, é correto priorizar idosos e trabalhadores de saúde. "As escolas que voltaram mostram que não há surtos, a maioria é contaminada fora. Os professores não são o grupo de maior risco."
<b>Imunização em SP</b>
Ao divulgar seu plano de vacinação, a gestão João Doria (PSDB) não incluiu trabalhadores considerados essenciais, fora os da saúde. Isso fez com que na semana passada diversos grupos passassem a pedir prioridade na imunização em São Paulo. Além dos professores, policiais civis e motoristas de ônibus e promotores solicitaram a inclusão na primeira fila da vacina.
Questionada pelo Estadão, Regiane de Paula, coordenadora de Controle de Doenças da Secretaria Estadual de Saúde, disse que os trabalhadores da educação e de outros setores essenciais devem ser vacinados ainda no 1º semestre de 2021. Ela diz que foi priorizado o grupo com maior número de óbitos, idosos com 60 anos ou mais, trabalhadores de saúde, indígenas e quilombolas, em um total de 9 milhões. "Mas em momento algum deixamos de olhar para os demais grupos que estarão nas próximas fases."
A associação de policiais afirmou em nota que "aqui não teve home office". Representantes dos motoristas disseram que eles estão "na linha de frente junto à população". Maria Izabel Noronha, presidente do sindicato dos professores (Apeoesp) e deputada estadual pelo PT, afirma que os docentes não voltarão às escolas estaduais enquanto não tomarem a vacina. "Por que temos que ir com cara e coragem?"
Segundo Regiane, todos os profissionais de saúde serão vacinados e não apenas os que estão na linha de frente. Os que estão em hospitais e unidades básicas serão imunizados em seus ambientes de trabalho. O restante, em postos de vacinação.
O uso da Coronavac, desenvolvida pela chinesa Sinovac e que será produzida pelo Instituto Butantã, órgão ainda está condicionado à apresentação dos resultados de eficácia. Esses dados devem ser divulgados até amanhã. Falta também o registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>