Um terço da queda da produção das montadoras brasileiras, que chega a 16,8% até setembro em relação ao mesmo período de 2013, vem da crise argentina. Parte das medidas que o setor está adotando, como férias coletivas e suspensão de contratos de funcionários, é reflexo da redução das exportações para o principal cliente externo de veículos do Brasil. O cenário para 2015 não é muito diferente e põe em risco as exportações.
De janeiro a setembro, a indústria automobilística produziu 481,5 mil veículos menos do que em igual período de 2013. O total de carros exportados para a Argentina teve uma diferença de 155 mil unidades por causa da falta de dólares no país. A Argentina também insiste em adotar medidas restritivas ao produto brasileiro, apesar de o acordo automotivo feito em junho, estabelecer um equilíbrio na balança comercial entre os dois países.
Uma das empresas que enfrentam restrições é a Jofund, de Joinville (SC), que produz discos e tambores de freio da marca Fremax. “Nossas exportações caíram 50% porque não conseguimos liberação das Djai”, diz Carlos Birckholz, presidente da empresa. A Djai (Declaração Juramentada Antecipada de Importação) é um documento que desde 2012 passou a ser obrigatório para quem exporta para a Argentina.
Fornecedora de peças para o mercado de reposição argentino, onde é líder de vendas, a Jofund exportava de US$ 500 mil a US$ 600 mil por mês ao país, “mas hoje é excepcional quando consigo mandar de US$ 250 mil a US$ 300 mil”, diz Birckholz. A empresa tem 480 funcionários e só não reduziu o quadro porque conseguiu compensar a perda na Argentina com vendas para outros mercados, como Estados Unidos e Europa.
De tudo que a fabricante de caminhões e ônibus MAN/Volkswagen exporta de sua fábrica em Resende (RJ), 35% vão para a Argentina. As vendas para o país caíram 33% de janeiro a agosto, para 1.059 veículos.
Juntando com a crise do mercado interno, que resultou até agora em queda de 13,9% nas vendas de todas as marcas de caminhões do País e de 16,8% nas de ônibus, a MAN já deu férias coletivas aos funcionários duas vezes neste ano e tem 200 trabalhadores em lay-off (suspensão temporária dos contratos) até janeiro.
“A Argentina contribui para esse quadro. Sem a crise lá, metade dessas pessoas não estaria em lay-off”, diz Roberto Cortes, presidente da MAN Latin America. Ele não vê alterações no cenário no próximo ano, mas lembra que houve crises piores na Argentina. “Em 2001, exportamos só 40 caminhões para lá.” De 2005 a 2006, em contrapartida, foram enviadas mais de mil unidades anuais.
Cerca de 80% dos carros exportados têm a Argentina como destino. Com a crise no maior cliente, o Brasil corre o risco de se tornar ainda mais irrelevante no comércio internacional, apesar de ser o 7º maior produtor mundial de veículos. Enquanto o mercado brasileiro crescia a taxas de 12% ao ano na última década, a indústria praticamente abandonou os mercados sul-americanos. As vendas também foram afetadas pela falta de competitividade.
Sobrou a Argentina, de certa forma, vista como uma extensão do mercado brasileiro por causa do acordo automotivo entre os dois países, que prevê uma complementação de produtos. Agora, com as vendas derretendo tanto no mercado vizinho quanto no doméstico, as empresas tentam recuperar parte do mercado perdido.
O presidente da Anfavea (associação das montadoras), Luiz Moan, tenta novos acordos com Colômbia, Uruguai, Equador e México para reduzir a dependência com a Argentina. Em 2005, o Brasil chegou a exportar, ao todo, mais de 700 mil veículos completos e, este ano, o volume será inferior a 400 mil unidades.
“A expectativa que as montadoras tinham de exportar 1 milhão de veículos até 2017 foi para o ralo”, diz Rodrigo Biaggi, analista do setor automotivo da consultoria Tendências, referindo-se a um plano anunciado pela Anfavea no início de 2013.
O cenário para 2015 será ainda pior, avalia o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro. A situação da Argentina tende a se deteriorar em razão da dificuldade em gerar divisas diante das previsões de queda dos preços de commodities como soja e milho. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.