Crise faz condutores colocarem tocha olímpica dos Jogos do Rio-2016 à venda

Pouco mais de quatro anos depois dos Jogos Olímpicos do Rio-2016, condutores da tocha estão vendendo os seus objetos nas redes sociais e em plataformas de comércio online. Os motivos que os levaram a essa decisão estão relacionados a problemas de ordem financeira, boa parte oriundos ou agravados por decorrências econômicas da pandemia do novo coronavírus.

É o caso, por exemplo, de Bianka Lins. Formada em Letras, considerada a primeira transgênero a participar do revezamento da tocha no Brasil, ela vivia dos rendimentos de aulas particulares e do salário que recebe como servidora municipal na área de serviços gerais de Curvelo, em Minas Gerais. Impossibilitada de lecionar, viu seu orçamento encolher sensivelmente.

"As contas começaram a acumular. Como preciso fazer algumas reformas urgentes na minha casa, decidi colocar a tocha à venda", disse Bianka. A professora conta que a decisão pela venda foi difícil. "O revezamento da tocha foi um dos momentos mais importantes da minha vida. Como fui a primeira trans a carregar esse símbolo no Brasil, eu me vi representando milhares de pessoas da comunidade LGBTQIA+. Não é fácil para mim abrir mão da tocha".

Cerca de 12 mil pessoas, incluindo anônimos, atletas, artistas e políticos participaram do revezamento da tocha olímpica no Brasil, que começou no dia 21 de abril de 2016 e terminou em 5 de agosto, dia da cerimônia de abertura, quando o maratonista Vanderlei Cordeiro de Lima acendeu a pira no estádio do Maracanã. A tocha passou por 326 cidades do País, quarta maior rota doméstica da história do revezamento olímpico. O revezamento da tocha é baseado na mitologia grega. Prometeu teria roubado de Zeus o fogo, que representa a divindade e a sabedoria dos deuses, e o entregou aos seres humanos.

Os preços pedidos pelos condutores da chama olímpica nos Jogos do Rio-2016 são variados e começam a partir de R$ 2 mil. Mas, no site do Mercado Livre, por exemplo, tem tocha sendo vendida por até R$ 70 mil. Tem quem inclua no kit até a roupa que usou no revezamento.

O rondoniense Ygor Marcelo da Cruz Santos sofre ao ver o momento de ficar sem a tocha se avizinhando. Quando trabalhava com a venda de consórcios de motos, preocupado em bater metas, descobriu-se com problemas de transtorno de ansiedade e síndrome do pânico. No dia em que baixou no hospital, pressão a 27 por 8, ouviu do médico que poderia sofrer um ataque cardíaco, antes mesmo de completar seus 30 anos. "Ao saber que corria risco de morte, fiquei me questionando sobre o que havia feito da minha vida. Do que poderia me orgulhar?"

Quando soube que um dos patrocinadores do revezamento havia aberto um concurso para selecionar brasileiros para carregar a tocha, Ygor colocou em seu texto que queria ter um motivo de orgulho no futuro. E foi selecionado. "Até hoje não acredito que participei daquele evento. Fiquei entre feliz e nervoso, com medo de que algo pudesse sair errado".

Depois de trabalhar por quatro meses na Friboi, em Ji-Paraná (RO), Ygor perdeu o emprego e vive de bicos. "É muito triste ter de abrir mão da tocha. Aquela foi uma emoção única que senti na vida, nunca mais vai se repetir. Mas preciso pagar minhas contas". Hoje, ele pede R$ 7 mil e "uns quebrados" pelo objeto.

Professor de Educação Física e de judô em Corumbá, no Mato Grosso do Sul, Luiz Paulo Freitas Ribeiro também precisa honrar seus compromissos. Hoje ele só recebe o salário de professor concursado do município, e está impossibilitado de dar aulas em outros lugares. "Além de minha renda ter diminuído, nosso poder de compra caiu muito".

O educador tem duas filhas, uma delas autista, e se endividou para pagar a terapia dela. Metade do valor é coberto pelo plano médico. "Fiquei sem pagar a minha parte por 10 meses. Ao final do ano, a clínica me informou que iria cortar a terapia. Tive de pegar um empréstimo com uma parente e aí me ocorreu que eu poderia vender a tocha", disse Luiz Paulo, que pede R$ 7 mil pelo objeto, justamente para cobrir o saldo devedor.

Por ter toda a sua vida profissional ligada ao esporte, sobretudo ao judô, a tocha olímpica tem para ele um valor inestimável. "Ela é o símbolo do maior evento do esporte, que é a Olimpíada. Eu a considero um grande presente para uma pessoa com 15 anos de trabalho no esporte na minha cidade. Mas não me restou alternativa. Preciso do dinheiro para a terapia".

João Pedro Berrezil não tem laços afetivos com o esporte, mas a tocha embute um valor simbólico importante para ele. O jovem participou de ações de ativação de marca de um dos patrocinadores do revezamento e, por isso, foi brindado com a oportunidade de ser condutor da tocha. "Para mim foi especial porque descobri o que queria fazer na vida", contou João Pedro, que trabalha na empresa até hoje.

Neste momento, no entanto, a empresa passa por uma reestruturação em escala global. Temendo pelo pior, o jovem publicitário quer fazer caixa. "Há cinco meses eu me mudei da Baixada Fluminense, em Belford Roxo, para a Tijuca, e não tenho intenção de voltar para a casa dos meus pais". Agora ele está aberto à negociação para vender a tocha pela internet.

A história dos condutores que publicaram anúncios de venda das tochas nem sempre tem um final triste. A sul-mato-grossense Camila Micaela tinha 14 anos e escreveu uma redação. Ela e mais quatro alunos da escola municipal onde estudava foram escolhidos graças aos textos para serem condutores do símbolo olímpico. "Eu ia me mudar com meu namorado e precisava juntar dinheiro para comprar coisas para a casa. Pedi R$ 2 mil pela tocha, mas ficaram me enrolando e não vendi. Felizmente, aluguei uma casa mobiliada e não vou precisar vender a tocha, que tem um valor muito especial pra mim".

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