Muitas perguntas, algumas surpresas e uma despedida comovente movimentaram as passarelas da Paris Fashion Week, encerrada na última quarta-feira. Foi uma semana de debates e polêmicas. Qual é o futuro dos desfiles em um mundo ultraconectado, no qual a moda pode ser lançada por qualquer um, em qualquer lugar, principalmente nas ruas? Para manter a relevância e o papel de vanguarda, as grandes maisons passam por um processo de reinvenção, recorrendo justamente às suas próprias origens.
O estilista Karl Lagerfeld, por exemplo, apoiou-se no glorioso espírito revolucionário de Chanel, e também no passado intelectual e panfletário da França, para dar uma roupagem nova ao seu show. Armou um boulevard cenográfico em pleno Grand Palais, reproduzindo uma típica rua parisiense. As modelos caminhavam em hordas, algumas delas conversavam e sorriam, como se estivessem passeando. No final, empunhando megafones e palavras de protesto, elas encenaram uma manifestação feminista, ao som de Im Every Woman, de Chaka Khan. Convidada para assistir ao desfile da Chanel na primeira fila, Gisele Bündchen se recusou.
“Queria fazer parte da agitação! Pedi para desfilar e eles me colocaram no centro de tudo”, disse ela, ao Estado. “Existem tantos lugares no mundo onde as mulheres ainda são oprimidas e não têm os direitos básicos garantidos, que a gente precisa mesmo ser uma espécie de ser porta-voz.”
Na imprensa especializada, o desfile dividiu opiniões. Não pelas roupas, mas pela mise-en-scène. “No início, senti um desconforto ao ver Karl usar esses slogans em um momento em que manifestações em Pequim pela democracia e campanhas pelos direitos da mulher no mundo todo são, literalmente, assuntos de vida ou morte”, ponderou a jornalista inglesa Susy Menkes, que, por décadas, foi crítica de moda do The New York Times. “Mas então pensei: Esse é um estilista que pega o que o lair du temps – o que está no ar. Em termos fashion, é um momento para protestar, metaforicamente, contra todos aqueles vestidinhos para coquetel e looks de tapete vermelho.”
Lagerfeld trouxe à cena, mais uma vez, os clássicos da marca, lançados lá atrás, nos anos 1920 e depois nas décadas de 50 e 60. Ponto para as camisas brancas simples e super chiques, as roupas com referências masculinas – calças risca de giz, com barra logo acima dos tornozelos – e os sapatos oxfords bicolores. “Nos últimos anos, os grandes estilistas focaram nas vendas para o Oriente Médio e os mercados emergentes. Fizeram coleções pirotécnicas. Daí veio o clamor das ruas por uma coisa mais normal”, analisa Daniela Falcão. “Conclusão: nesta estação, as marcas responderam a essa onda com elegância descomplicada e beleza natural.”
Na passarela da Dior, camiseta regata foi inesperadamente associada à saia de jacquard inflada, típica do final do século 18, época de Maria Antonieta. O macacão ganhou versão refinada e o redingote (do inglês riding coat, ou casaco de montaria) surgiu em versão informal, para ser usado com saias e camisetas. “Comecei a pensar o que é moderno hoje?,” diz Raf Simons, o estilista da Dior. “O meu desafio foi unir uma atitude contemporânea a algo histórico.”
Simons faz parte de uma nova geração de criadores que tem a missão paradoxal de construir o futuro das marcas, dando toques de seu estilo, mas mantendo um pé no passado e preservando toda a herança fashion recebida. É um caminho complexo.
Por isso, recentemente, houve uma grande dança das cadeiras no comando das grifes francesas. Depois de 16 anos na Louis Vuitton, o estilista americano Marc Jacobs deixou o posto em uma fase de vendas em queda. Em seu lugar, assumiu o francês Nicolas Ghesquière, ex-Balenciaga. Seu desfile aconteceu na imponente Fundação da Louis Vuitton, projetada por Frank Gehry.
Num clima sci-fi, viram-se reinterpretações de peças dos anos 1970 (uma das principais influências da temporada), com o savoir-faire artesanal típico da marca. Foi, para muitos editores, o show da estação. A silhueta retrô, com saias e vestidos em linha A, ganhou listras, em couro de enguia. Jaquetas acolchoadas, vestidos bordados com mini-paetês e peças em jeans e veludo, sempre com modelagens familiares.
Quando deixou a Balenciaga, dando lugar ao jovem Alexander Wang, de origem chinesa, no ano passado, Ghesquière foi acusado de criar roupas pouco comerciais.
Entre muitas teorias e conceitos, a verdade preponderante na moda hoje é que ela precisa despertar desejo e vender. Precisa estar em sintonia com as ruas. Com dificuldades financeiras, o estilista francês Jean Paul Gaultier encerrou a sua linha de prêt-à-porter. Criador de modelos como o sutiã em forma de cone, usado por Madonna nos anos 1990, o “enfant terrible” reuniu a nata fashionista e várias celebridades em um cinema antigo de Paris. A sua última coleção foi apresentada como um divertido concurso de miss. E, para muitos, marcou o final de uma era, na qual a excentricidade tinha lugar garantido na passarela.