Estadão

Delegado da PF pede que STF suspenda inquérito sobre gabinete paralelo no MEC

O delegado Raphael Soares Astini, da Polícia Federal em Santos, pediu ao Supremo Tribunal Federal que suspenda liminarmente o inquérito que atinge o ex-ministro Milton Ribeiro e pastores do gabinete paralelo no Ministério da Educação em razão de suposto abuso de autoridade do presidente da investigação, Bruno Calandrini. Responsável por prender o aliado do presidente Jair Bolsonaro na Operação Acesso Pago, em junho, Astini contesta o fato de ser investigado, em apuração que diz ser paralela, sem autorização e justa causa , por suposta prevaricação com a não transferência de Ribeiro à Brasília.

A solicitação de Astini foi remetida à ministra Cármen Lúcia, relatora do inquérito da Operação Acesso Pago, no bojo de um habeas corpus. No mérito, o delegado quer o trancamento e arquivamento apurações que atingem ele e outros policiais, alegando que Calandrini pode estar usando o inquérito como forma de vingança pessoal . Segundo ele, as investigações que atingem ele e os colegas não compreendem o objeto inicial estipulado pelo Ministério Público Federal e pela supervisora do caso.

"Considerando o evidente constrangimento ilegal imposto ao paciente, consistente em se submeter a inquérito policial (onde será indiciado) que tramita de forma irregular, sem autorização da Ministra Supervisora, e com instrução ilegal, isto produção de peças apartadas e com objeto totalmente diferente das razões que motivaram a instauração, representando evidente investigação paralela a constranger outros policiais federais em clara ameaça a seu direito de ir e vir, deduz-se o presente writ", resume o delegado.

O HC marca mais um episódio da tensão que assola a Polícia Federal após a fase ostensiva das investigações atingirem de maneira contundente um aliado do presidente Jair Bolsonaro. Depois de a operação ser deflagrada, Calandrini denunciou suposta interferência nas diligências, o que levou a Polícia Federal a abrir uma apuração sobre o que chamou de boato . A crise escalou com um pedido de Calandrini pela prisão da cúpula da PF. Após a solicitação, voltou a circular internamente um relatório da corporação que atribuiu a ele inexperiência ou incúria no planejamento operacional da ofensiva.

No documento protocolado no STF na quarta-feira passada, 14, Astini diz que foi surpreendido com um ofício no dia 8 de setembro, o qual convocava o delegado para interrogatório. Ele diz ter respondido o documento, informando sobre o não comparecimento e pedindo acesso a íntegra do inquérito.

De acordo com o habeas corpus levado à ministra Cármen Lúcia, Calandrini então o enviou uma mensagem apontando que trata-se de um interrogatório para indiciamento citando supostos crimes de prevaricação em razão do cumprimento do mandado de prisão contra Milton Ribeiro e do recolhimento do ex-ministro da Superintendência da PF em São Paulo.

Astini se defende da imputação de prevaricação sustentando que nenhum ato de ofício deixou de ser praticado ou foi retardado , narrando que conduziu Milton Ribeiro à custódia da Policia Federal em São Paulo conforme determinação de superior hierárquico . "Não se nega que o Mandado de Prisão n° 342/2022 determinava o translado do custodiado para a superintendência da Policia Federal em BrasiliaDF para a posterior apresentação presencial em audiência de custódia, entretanto, o presidente da investigação não adotou providências para planejar tal translado", registrou.

A ordem de prisão preventiva de Ribeiro determinava que o ex-ministro fosse levado para a Superintendência da PF em Brasília tão logo o investigado fosse preso. A defesa do aliado de Bolsonaro entrou com pedido para barrar a transferência, mas a solicitação foi negada pelo juiz Renato Borelli, da 15ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal, relator da investigação.

No entanto, na noite do mesmo dia em que a Acesso Pago foi aberta, foi informado que Ribeiro permaneceria na capital paulista e que sua audiência de custódia seria realizada por videoconferência. Antes que o procedimento fosse realizado, o desembargador Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região mandou soltar Ribeiro e outros quatro investigados que haviam sido presos no âmbito da ofensiva aberta ontem.

Na ocasião, Calandrini disse ter repassado a alegação de interferência na condução da investigação ao chefe do Coordenação de inquéritos nos tribunais superiores, após saber que, por decisão superior , não iria haver o deslocamento de Milton Ribeiro para Brasília. "Manterei a postura de que a investigação foi obstaculizada ao se escolher pela não transferência de Milton à Brasília à revelia da decisão judicial", registrou, à época.

No habeas corpus ao Supremo, o delegado que prendeu Milton Ribeiro sustenta ainda que Calandrini atua em nítido abuso de autoridade ao proceder a persecução penal por suposta (inexistente) prevaricação e proceder para seu indiciamento . "O fato é inexistente (vide própria conclusão do órgão DPF via Sindicância Investigativa n° 08/2022), inexistem os elementos do tipo penal (interesse ou sentimento pessoal), inexiste dolo (ou mesmo culpa) e o ato foi praticado em cumprimento a ordem legal", registra.

A Sindicância citada por Astini foi aberta pelo setor correcional da PF após o delegado denunciar suposta interferência nas investigações da Acesso Pago, além de mencionar honrarias concedidas ao ex-ministro Milton Ribeiro. Astini diz que a conclusão do procedimento foi no sentido de que era inexistente a notícia de tratamento com "honrarias" do aliado do presidente Jair Bolsonaro.

"Embora possa em um primeiro momento ser razoável insurgir-se quanto ao fato de não ter ocorrido o traslado do preso da forma como determinava a ordem judicial, parece não ser ponderado emitir manifestação em dois grupos para policiais de outros estados no sentido de que ao preso teria sido dado algum tipo de tratamento impessoal e com "honrarias". Neste aspecto, analisando as oitivas e documentos trazidos neste expediente, não foi verificado qualquer tratamento diferenciado conforme noticiou a manifestação do DPF CALANDRINI nos grupos de whatsapp da deflagração da operação", diz trecho do relatório da sindicância reproduzido por Astini no habeas corpus impetrado no Supremo.

<b>COM A PALAVRA, BRUNO CALANDRINI</b>

Até a publicação deste texto, a reportagem buscou contato com o delegado, mas sem sucesso. O espaço está aberto para manifestações.

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