O ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, usou um pronunciamento em rede nacional nesta quarta-feira, 28, para definir a Igreja Católica como uma ditadura. Após décadas de uma relação que misturou períodos de colaborações e de atritos, o político vive uma escalada de tensões com o Vaticano.
O estopim mais recente foi a prisão do bispo Rolando Álvarez, que motivou um apelo do papa Francisco por um diálogo aberto e sincero com Manágua. "Tudo (na Igreja) é imposto. É uma ditadura perfeita, uma tirania perfeita. Quem elege os padres, os bispos, quem elege o papa? Com quantos votos, de quem?", disse o ditador, em seu discurso. "Se querem ser democráticos, que comecem a eleger o papa, os cardeais, os bispos, com o voto de todos os católicos."
Ortega voltou a rotular religiosos de assassinos e golpistas pelo apoio que supostamente foi dado a partir dos templos a protestos da oposição em 2018. "Manifestantes saíam das igrejas – nem todos – armados, para lançar ataques contra as delegacias."
Ortega não tem as melhores credenciais para exigir democracia. O político está no poder de forma ininterrupta desde 2007, vencendo eleições de fachada. Nos seis meses anteriores à última votação, em novembro passado, o regime prendeu, sob acusações de lavagem de dinheiro e traição à pátria, sete candidatos opositores. Há ainda atrás das grades mais de 30 outros políticos e mais de cem líderes sindicais e estudantis, jornalistas e ativistas, segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Muitos têm sido condenados em julgamentos igualmente de fachada.
Nos últimos anos, Ortega cancelou o registro dos dois principais blocos de oposição, passando a dominar o Legislativo, e nomeou novos juízes da Suprema Corte, viabilizando a aprovação de leis que estendem prisões preventivas e o alcance das acusações de traição.
A perseguição se estende à produção acadêmica e à imprensa; o principal jornal nicaraguense recentemente se viu obrigado a retirar de forma clandestina todos os seus funcionários do país. Na mesma época, sete rádios católicas ligadas a um bispo crítico ao ditador foram fechadas.
As relações entre o regime e a igreja vêm se deteriorando desde 2018, quando uma onda de protestos acabou com mais de 300 manifestantes mortos em confronto com as forças de segurança e grupos paramilitares alinhados ao regime. Segundo o Observatório Pró-Transparência e Anticorrupção, entre abril de 2018 e maio de 2022 houve ao menos 190 agressões contra a Igreja Católica na Nicarágua.
Em 1979, no começo da Revolução Sandinista, lideranças católicas se associaram ao movimento, em oposição à ditadura da família Somoza, que governava o país desde 1937. Na primeira junta do governo pós-revolução, que incluía Ortega, havia quatro sacerdotes.
Com a dissolução do grupo, o apoio dos religiosos ao hoje líder do regime se dividiu. Ortega, que era ligado ao grupo mais progressista, se afastou totalmente dos católicos após a onda de protestos contra seu governo em 2018.
A mais recente onda de perseguição começou em março, com a expulsão do país de líderes religiosos católicos acusados de serem terroristas. O governo da Nicarágua também prendeu padres e fechou igrejas e emissoras de rádio ligadas aos católicos. (Com agências internacionais).