Após esboçar um alívio pela manhã, em razão da possibilidade de aprovação fatiada da PEC dos Precatórios, o dólar ganhou força ao longo da tarde e chegou a tocar na casa de R$ 5,61, em meio ao fortalecimento da moeda americana no exterior, na esteira de declarações duras de dirigentes do Federal Reserve. Já se cogita abertamente a aceleração do ritmo de redução da compra mensal de bônus (tapering) e, por tabela, o início de uma alta de juros nos EUA, o que diminui a atratividade de ativos emergentes.
Com mínima de R$ 5,5218 e máxima a R$ 5,6138 (+0,79%), o dólar à vista encerrou o pregão cotado a R$ 5,6089, avanço de 0,70%, registrando o quinto pregão consecutivo de alta. Assim, o dólar fecha a semana com valorização de 2,79%, ameaçando zerar as perdas no mês, que passaram a ser de apenas 0,66%. O dólar futuro para dezembro fechou em alta de 0,92%, a R$ 5,61950, com giro de US$ 11,7 bilhões.
Apesar dos problemas fiscais domésticos seguirem como indutor relevante da retomada de posições defensivas no mercado doméstico, o real não apresentou, ao longo da semana, o pior desempenho entre seus pares emergentes. O índice DXY – que mede o desempenho do dólar frente a seis divisas fortes – operou hoje em alta firme, rompendo o patamar dos 96,000 pontos, com ganhos expressivos frente ao euro, abalado pelo avanço de casos de covid-19 na Europa.
Em meio à expectativa pela decisão da Casa Branca sobre eventual recondução de Jerome Powell ao comando do Federal Reserve, dirigentes regionais da instituição trataram de mostrar suas cartas. O vice-presidente do BC americano, Richard Clarida, outrora visto como uma voz moderada, afirmou que o comitê do Fed poderia começar a discutir a aceleração do tapering, dado que a economia americana se encontra em posição "muito forte" e há risco de mais pressão inflacionária. Na mesma linha, o diretor do Fed Christopher Waller defendeu aceleração do ritmo de redução dos estímulos, tendo em vista a melhora do mercado de trabalho e a deterioração da inflação. Segundo Waller, se esse ritmo dobrar a partir de 2022, o BC poderia terminar o tapering em abril, o que abriria espaço para alta dos juros já no segundo semestre do ano que vem.
Para o economista-chefe da Integral Group, Daniel Miraglia, dados os indicadores fortes de atividade econômica e de inflação bem elevada nos EUA, existe a possibilidade de o Fed acelerar o tapering e de alta de juros nos Estados Unidos já no segundo trimestre de 2022, algo antes esperado, majoritariamente, para o segundo semestre do ano que vem. "Com esse ciclo de inflação alta no mundo, especialmente nos EUA, existe essa expectativa, o que fortalece o dólar e deixa o cenário para os emergentes mais desafiador", diz Miraglia, ressaltando que parte da valorização da moeda americana hoje pode ser atribuída ao desempenho do euro, que sofre com o aumento de casos de Covid-19 na Europa. "Internamente, o que faz mais preço é a discussão em torno dos precatórios. O mercado fica receoso pela falta de visibilidade."
O alívio do dólar pela manhã veio na esteira da notícia de que o líder do governo no Senado e relator da PEC dos Precatórios, Fernando Bezerra (MDB-PE), admitiu que pode haver fatiamento a proposta para garantir a aprovação na Câmara, já que hoje o governo teria menos do que os 49 votos necessários. A promulgação de uma parte do projeto abriria espaço para o pagamento do Auxílio Brasil no valor de R$ 400 em dezembro, tirando de cena o risco de o governo apelar para créditos extraordinários.
A ideia recebeu acolhida também do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que espera, contudo, que haja alterações mínimas no Senado. Contrariando desejo já expresso pelo presidente Jair Bolsonaro, Lira disse que não vê espaço no orçamento para reajuste do funcionalismo público. À tarde, líderes de partidos como PSDB e Podemos se manifestaram contrários a estratégia do governo de fatiar a proposta para conseguir a aprovação no Senado.
Estrategista da Davos Investimentos, Mauro Morelli considera que não está no preço dos ativos domésticos hoje o desfecho pior para a questão fiscal, que seria a rejeição da PEC dos Precatórios. Isso não significa, porém, que a aprovação da proposta traria uma diminuição aguda do risco fiscal. "A preocupação é que o governo não vai parar por aí e que pode haver um aumento mais significativo dos gastos públicos", diz Morelli, destacando a pretensão de Bolsonaro de reajustar o salário dos servidores federais.
Para o estrategista, diante do quadro global menos favorável para emergentes e dos problemas internos, o dólar mudou de patamar. Ele não vislumbra possibilidade de uma rodada de apreciação do real e prevê aumento da volatilidade à medida que se aproximam as eleições presidenciais. "O dólar pode voltar a bater em R$ 5,70", diz.
Em evento hoje à tarde, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, voltou a afirmar que o descompasso entre termos de troca e taxa de câmbio afetou todas as divisas emergentes. A explicação seria o nível de dívida mais elevado. Ele disse que a atual gestão do BC é a que mais atuou no mercado, com vendas de US$ 80 bilhões em reservas internacionais, número que pode atingir US$ 90 bilhões ou US$ 110 bilhões até o fim deste ano.
Mais uma vez, Campos neto disse que o BC não quer ditar a trajetória da taxa de câmbio e que atua apenas em caso de disfuncionalidade ou falta de liquidez. "À medida que geramos credibilidade, volatilidade do câmbio tende a cair", afirmou Campos, ressaltando que, apesar da "polêmica" envolvendo o Auxílio Brasil, o panorama fiscal do país está melhor.