Estadão

Dólar sobe a R$ 5,2298 com risco fiscal doméstico e temor de recessão global

Após uma manhã de volatilidade, o dólar ganhou força ao longo da tarde e fechou próximo do limiar de R$ 5,23, no maior nível desde 11 de fevereiro. Ao fortalecimento da moeda americana no exterior, em meio a sinais de que a economia global pode estar se encaminhando para uma recessão, somou-se o aumento da percepção de risco fiscal doméstico diante iniciativas do governo e de seus aliados no Congresso para turbinar programas de transferência de renda.

A escalada do dólar por aqui se deu em sintonia com a derrocada do Ibovespa a partir do início da tarde, quando o Broadcast noticiou que o líder do governo no Senado, Carlos Portinho (PL-RJ), relatou que há discussões para mudanças na PEC dos Combustíveis. A ideia é usar para benefícios sociais os cerca de R$ 30 bilhões que seriam destinados para compensação a Estados que reduzissem ICMS sobre diesel e gás de cozinha. Na pauta, aumento do valor do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 até o fim do ano, elevação do vale-gás e voucher para caminhoneiros de até R$ 1 mil.

Nas mesas de operação, comenta-se que o presidente Jair Bolsonaro, em desvantagens nas pesquisas eleitorais e acuado pelas acusações de corrupção no Ministério da Educação, tenta criar uma "agenda positiva" por meio de medidas populistas que ameaçam o já combalido teto de gastos – um pacote que acaba ofuscando os resultados fiscais positivos de curto prazo e aguça a busca por proteção na moeda americana.

Com máxima a R$ 5,2335, registrada na última hora de negócios, o dólar encerrou o dia em alta de 1,02%, cotado a R$ 5,2298 – maior valor de fechamento desde 11 de fevereiro. Com isso, os ganhos em junho já são de dois dígitos (10,04%). No ano, contudo, a divisa apresenta desvalorização de 6,21%.

"O clima político está esquentando. Depois da pressão pela CPI da Petrobras, apareceu o escândalo no Ministério da Educação. O governo pode reagir expandindo mais os gastos, com benefícios como o vale-gás e o auxílios aos caminhoneiros", afirma o economista-chefe da JF Trust, Eduardo Velho. "O fluxo cambial não está ajudando e agora aumentou o risco político. Aos poucos, a possibilidade de reversão das reformas vão sendo inseridas aos prêmios".

O real também sofre pela perda de fôlego dos preços das commodities na esteira de indicadores que demonstram desaceleração da economia global em momento em que BCs desenvolvidos, em especial o Federal Reserve, ajustam a política monetária para combater a inflação. O índice de gerente de compras composto dos EUA (PMI, na sigla em inglês) caiu a 51,2 em junho, menor nível em cinco anos. Já o PMI composto da zona do euro cedeu de 54,8 em maio para 51,9 em junho, pior resultado em 16 meses. Na Alemanha, maior economia da região, o PMI composto recuou para o menor patamar em 6 meses. Os contratos futuros do petróleo voltaram a cair, com o tipo Brent, em baixa de 1,41%, a US$ 110,05 o barril. Já o cobre perdeu mais de 5% no mercado futuro, descendo à mais baixa cotação em 16 meses.

"A alta do dólar está muito relacionada a dados do PMI dos EUA, que vieram muito abaixo do esperado, o que reforça a cautela dos investidores. Além disso, o presidente do Federal Reserve (Jerome Powell) reafirmou que o compromisso de combate a inflação é incondicional. Isso pressiona as moedas emergentes", afirma a economista do Banco Ourinvest Cristiane Quartaroli, para quem o ambiente externo pesa mais para o real do que o quadro local.

De fato, em audiência na Câmara dos Representantes do EUA, Powell falou duro contra a inflação, cujo patamar ele atribuiu em grande medida a uma demanda mais forte. Segundo o presidente do BC americano, a alta recente dos preços de energia torna "mais desafiadora" a tarefa do Fed de buscar um "pouso suave" da economia americana.

"A expectativa é que o juro americano deverá continuar a subir para pelo menos 3,75% ao ano. Há membros do Fed que desejam juro a 4% ou 4,25%, que garantiriam queda mais rápida da inflação", diz Velho, da JF Trust, acrescentando que os dados fracos da zona do euro aumentam as chances de recessão global e contribuem para o fortalecimento do dólar frente ao euro.

A desvalorização do real só não é maior, dizem analistas, porque a taxa de juros local é elevada e desencoraja carregamento de posições compradas em dólar (que ganham quando a moeda americana se valoriza ante o real). Declarações do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e do novo diretor de Política Econômica do BC, Diogo Guillen, pela manhã reforçaram a perspectiva de ao menos mais um aumento da Selic, hoje em 13,25% ao ano, e manutenção da taxa básica em nível elevado ao longo de 2023, o chamado horizonte relevante da política monetária.

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