Nina Simone influenciou gente de todo o espectro musical: de Bono a John Lennon, de Kanye West a Antony and the Johnsons, passando por Christina Aguilera. Ainda assim, segundo sua única filha, Lisa Simone Kelly, ela morreu sozinha, em 2003, aos 70 anos, sem saber o quanto era amada. “Isso é uma tragédia”, disse Kelly ao jornal O Estado de S.Paulo. Ela quis traçar um retrato mais fiel da complexa personalidade de sua mãe com o documentário What Happened, Miss Simone?, dirigido por Liz Garbus, que estreia na Netflix nesta sexta-feira, 26, depois de ter sido exibido em festivais mundo afora.
Lisa Simone Kelly deixa claro que a relação com sua mãe nem sempre foi das mais fáceis. “Mas acho que ela merece ter sua história verdadeira contada, por causa de sua jornada, sua música, seus sacrifícios, sua mensagem, as contribuições maravilhosas que fez para nosso povo. Era importante haver algo para educar e inspirar as massas.” Um dos pontos essenciais era ressaltar como Nina Simone, nascida Eunice Kathleen Waymon em Tryon, Carolina do Norte, em 1933, sempre sonhou ser uma pianista clássica – a primeira pianista clássica americana negra. Seu objetivo era estudar no Curtis Institute, na Filadélfia. Mas foi rejeitada, o que sempre considerou um caso de racismo. “A artista conhecida como Nina Simone, na verdade, veio ao mundo por acidente, por ela não ter conseguido realizar seu sonho de ser uma musicista clássica por conta do ambiente social e da cor da sua pele”, disse Kelly.
Seu envolvimento não significa que What Happened, Miss Simone? esconda os piores momentos da família: o comportamento errático da cantora, as surras que levava de seu marido e pai de Lisa, o ex-policial Andrew Stroud, e, em dado momento, o abandono da filha pelos dois. “O processo é de descoberta, de cura, de enfrentamento da verdade. E não é fácil enfrentar a verdade quando ela não vem na forma que você gostaria”, disse Kelly. Liz Garbus enfatiza que o longa não traz a visão da filha sobre sua mãe. “O filme foi construído a partir das próprias palavras de Nina Simone”, disse a cineasta, que pesquisou áudio e imagens de entrevistas no mundo inteiro.
O documentário deixa claro como a artista sempre se sentiu deslocada. Foi considerada cantora de jazz e de blues, quando, na verdade, o que mais ouvia era Bach. Nos shows, era surpreendente. Muitas vezes, confrontava o público. “Sua presença no palco era revolucionária. As pessoas ficavam incomodadas, mas também fascinadas”, disse Liz.
A dor e a raiva que sempre estiveram presentes em sua voz e em seu olhar foram mais tarde transformadas em luta. Nina Simone se jogou de cabeça na militância pelos direitos civis depois da morte de quatro garotas negras numa igreja bombardeada por supremacistas brancos em Birmingham, Alabama, em 1963. Causou polêmica por falar aquilo que muitos pensavam, sem coragem de dizer, com a música Mississippi Goddam, que pode ser traduzida como “maldito Mississippi”, uma expressão considerada ofensiva.
No final da década, To Be Young, Gifted and Black virou um hino entre os negros americanos. Mas logo veio a desilusão com a revolução que não aconteceu e a percepção de que sua carreira tinha sido prejudicada. “No fim, ela dizia que suas canções não eram relevantes. Nisso, não concordamos”, afirmou a diretora. Recentes acontecimentos nos Estados Unidos, do assassinato de um rapaz negro por um policial em Ferguson ao ataque a uma igreja em Charleston, tornam evidente que, para além da genialidade artística, sua música continua atual e fundamental. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.