Mundo das Palavras

Dramas brasileiros


Uma pessoa escolhida democraticamente para comandar o Poder Executivo de seu país acumula tantas responsabilidades que merece ser tratada com muita consideração, embora, ela fique, também, permanentemente exposta à investigação de seus atos pela imprensa.


 


Em torno dela surge uma natural curiosidade. E até que cometa erros graves capazes de incompatibilizá-la com seus eleitores, há um constante interesse pelo seu passado, capaz de fazer os jornalistas revirarem arquivos e buscar pessoas antes ligadas a ela. Há também uma predisposição para rever tudo o que tenha acontecido com ela a partir de uma nova ótica: aquela criada pela alta manifestação de confiança que ela mereceu de seu próprio povo.


 


 Um ato banal provindo de um cidadão comum, como o de se matricular numa escola, por exemplo, adquire maior significação, se este cidadão recebeu a suprema honraria de ser colocado, através dos votos, na presidência de seu país.


 


Com uma sutil mudança de ótica, a imprensa brasileira começa, agora, a abordar o momento mais delicado da biografia da presidente Dilma Rousseff. Aquele em que, ainda jovem estudante universitária, ela foi torturada nas prisões da ditadura militar instalada no Brasil, depois de 1964, por atuar numa organização oposicionista clandestina de luta armada.


 


Se alguém que passou por esta terrível experiência pode, hoje, comandar a vida política do Brasil, por decisão dos brasileiros, talvez aquela fase da vida da presidente mereça ser mais bem compreendida. É o que se deduz do interesse manifestado por jornais e revistas pelos registros da passagem de Dilma nas prisões políticas e por depoimentos de seus ex-companheiros. Nota-se uma disposição para conhecer tudo daquele momento da biografia da presidente. E isto necessariamente jogará luz sobre episódios que atingiram Dilma e outros brasileiros, mas ainda estão mantidos na obscuridade criada pelas paixões políticas experimentadas no passado. 


 


Ao se referir a estes episódios, a própria presidente tem sido prudente. Assume publicamente sua antiga militância na luta armada, porém, evita avivar ódios amortecidos. 


 


O certo, contudo, é que, através da pesquisa da biografia de Dilma, parece, por fim, surgir um promissor espaço dentro da cultura do país para a absorção sábia, equilibrada, de histórias dramáticas, desconhecidas, protagonizadas por jovens brasileiros nos anos de 1960 e 1970. O balanço político-militar da atuação destes jovens há muito vem sendo feito, com a admissão de equívocos nas avaliações do apoio popular e das possibilidades de vitória com que eles contavam, e, com o reconhecimento de injustiça na eliminação de militantes condenados por suas próprias organizações.


 


Em contrapartida, agora, quem sabe, possa ser apreciada, como parte da herança colocada à disposição da nossa educação cívica, a dimensão heróica e generosa da militância destes jovens, solidária com os brasileiros pobres num período de asfixiante falta de liberdade no país. 


 


Há centenas de histórias de jovens contemporâneos da Dilma Rousseff ainda não escritas. Uma delas é a de Maria de Lourdes Rego Melo, colega de turma, na universidade da Bahia, de Caetano Veloso. Ela lecionou Filosofia, no prestigiado Curso Santa Inês, de São Paulo. Depois, se engajou na luta armada, foi presa, torturada. Hoje, vive silenciosa e retraída.


 

Oswaldo Coimbra é jornalista e pós-doutor em Jornalismo pela ECA/USP

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