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E-mails revelam que autoridades russas camuflaram doping no futebol

As investigações da Agência Mundial Antidoping (Wada, na sigla em inglês) revelam um doping sistemático no futebol russo, colocando pressão sobre a Fifa que, durante anos, afirmou que o doping não era um problema do futebol. A menos de dois anos da Copa do Mundo na Rússia, as revelações também colocam dúvidas sobre a capacidade dos organizadores do Mundial em garantir um evento acima de qualquer suspeita.

Vitaly Mutko, citado como um dos responsáveis por camuflar o doping, é membro do Conselho da Fifa e vice-primeiro-ministro da Rússia.

As constatações fazem parte do trabalho realizado pelo investigador canadense Richard McLaren. Na semana passada, ele explicou que mais de mil atletas russos em 30 modalidades diferentes foram beneficiados por esquemas que esconderiam o doping.

E-mails obtidos pela reportagem do Estado revelam como as autoridades russas manobraram para camuflar também o doping registrado no futebol. No total, 33 jogadores foram identificados e seus nomes foram entregues para a Fifa para que uma investigação seja realizada. Nenhum nome de jogador ou de clubes foi publicado. Mas, segundo os e-mails, estrangeiros também estariam no esquema montado para proteger os atletas.

Num dos contatos entre autoridades russas e o laboratório de Moscou, nomes de jogadores de times da primeira divisão foram apresentados. O pedido era para que fossem alvo de uma operação para impedir que seus testes positivos no doping representassem uma suspensão. A ordem era de mudar o resultado final.

Um dos casos envolveu um jogador do Usbequistão, no dia 17 de agosto de 2014. Mas ele não seria o único entre os principais clubes. Pego com altas taxas de arimistane (hormônio), outro jogador também seria protegido pelas autoridades.

Num outro e-mail, os investigadores encontraram evidências de que, quando o doping envolvia o futebol, a questão deveria ser tratada pela mais alta cúpula do governo. “Futebol – não tocar”, alertava um e-mail do laboratório a funcionários do Ministério dos Esportes. “A decisão do VL é a válida”, indicou. VL era a inicial usada para Vitaly Mutko, ministro de Vladimir Putin e chefe da organização da Copa do Mundo.

BASE – O doping ainda envolvia as categorias de base. Num dos e-mails, de maio de 2014, o chefe do laboratório de controle de doping, Grigory Rodchenkov, escreveu ao vice-ministro do Esporte, Alexei Velikodniy. “Caro Alex, é urgente para o time juvenil”, diz o e-mail. “Eles têm um jogo, é futebol”, explica. “Precisamos de um resultado atípico”.

No dia 23 de maio também de 2014, Rodchenkov recebeu do vice-ministro um pedido para que “salve” um atacante da seleção juvenil da Rússia, pego com “enormes quantidades de maconha”. “Eles vão jogar no Campeonato Europeu”, explicou o vice-ministro. Visivelmente irritado, o chefe do laboratório escreve: “o que é esse jogador de futebol? Jogue-o para fora do time!”. Ele também recomenda um “tapa na cara” do jogador. Mas cumpre a ordem.

Antes mesmo disso, no dia 25 de março de 2014, o vice-ministro mandou ao laboratório um pedido para que fosse “salvo” um “jogador da seleção nacional para o campeonato europeu”. Um dos jogadores teria sido pego com “diurético triamterene”.

O chefe do laboratório, em um outro e-mail, ainda avisou o representante do governo sobre uma nova substância que teria aparecido entre os atletas russos. “Caro Alex, estamos à beira de uma catástrofe”, escreveu. “Deixamos o time de futebol totalmente de forma irresponsável”, alertou. “Preciso ter de forma urgente os nomes dos jogadores, possivelmente da equipe júnior”, pediu.

ICEBERG – Para Richard McLaren, responsável pela investigação, não houve tempo suficiente para sua equipe olhar com a atenção a realidade do futebol e a percepção de muitos na Wada é de que isso seria apenas a ponta do “iceberg” no futebol.

“Só estamos relatando sobre a informação que tínhamos de alguns jogadores. Mas não temos informação suficiente de clubes ou ligas”, disse McLaren. “Listamos 33 jogadores. Nem todos eram russos. Alguns eram estrangeiros”, completou.

Ainda que os dados sejam de uma pequena parte de atletas do futebol, a revelação vai obrigar a Fifa a abrir um procedimento para avaliar o caso e reconhecer que o doping também é um problema do futebol.

Nos últimos anos, a Fifa insistia que o problema era insignificante, com a ausência total de casos de doping em Copas do Mundo, desde o caso de Diego Maradona em 1994. As revelações, porém, indicam que a ideia de que o futebol não seja afetado não se sustenta.

Para o presidente da Fifa, Gianni Infantino, a pressão da Wada ainda irá criar uma saia-justa com seus parceiros na organização do Mundial de 2018. Mutko, além de membro da própria Fifa, é a pessoa de contato entre a organização e Vladimir Putin.

Para McLaren, é “inconcebível” que o ministro não soubesse do doping de estado promovido em seu país. Mutko foi impedido de viajar ao Rio para os Jogos Olímpicos deste ano. Mas, num sinal de que vai desafiar a entidade antidoping, Putin o escolheu para ocupar o cargo de vice-primeiro-ministro do país.

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