Economia

Eletro Zema, a varejista que foge das capitais

Na cidade de Araxá, no Triângulo Mineiro, a família Zema já fez de tudo. Começou, na década de 20, vendendo lubrificantes e acessórios para carros, virou revendedora Ford, abriu postos de gasolina, farmácias, loja de ração, fertilizantes, fábrica de cerâmica, construtora, madeireira e até uma fábrica de carroças. Mas foi vendendo eletrodomésticos, na última década, que os Zemas se tornaram uma potência no interior.

Com sobrenome completamente desconhecido na cidade grande, esses descendentes de italianos vão alcançar no mês que vem a marca de 500 lojas em pequenos municípios de Minas Gerais, São Paulo, da Bahia, de Goiás e do Espírito Santo. Com o negócio de distribuição de combustível, e algumas concessionárias, o grupo vai faturar neste ano R$ 3 bilhões.

Para não brigar – e ser engolida pelas grandes -, a Eletro Zema concentrou sua expansão em cidades com menos de 60 mil habitantes, onde redes como Casas Bahia e Magazine Luiza não têm interesse de estar. Belo Horizonte e São Paulo, por exemplo, estão completamente fora dos planos do grupo, que tem presença em lugares tão improváveis quanto Arapuá – um município com 4 mil moradores, a 350 quilômetros da capital mineira.

Lá, os Zemas instalaram uma lojinha de 50 metros quadrados com apenas dois vendedores. O lugar é muito mais um mostruário de produtos do que um ponto de vendas tradicional. No catálogo, dessa e de outras unidades, há smartphones e fogões, mas também betoneiras, pneus e máquinas de assar frango – sucesso entre os pequenos comerciantes do interior.

“Nosso cliente não quer novidade, ele quer ter o que o vizinho tem”, diz Romeu Zema, presidente da companhia e representante da quarta geração do grupo. “Nós conhecemos demais quem compra com a gente, afinal, também somos do interior.” A maior cidade em que a empresa atua hoje é Uberlândia, mais por uma facilidade logística do que por se enquadrar na estratégia de expansão da companhia.

A rede de lojas, hoje com 7 mil funcionários, é comandada de Araxá, cidade com 100 mil habitantes, que além de ser conhecida pelas águas termais e por ter sido a terra da Dona Beja, uma célebre prostituta que virou até personagem de novela, abriga a CBMM, mineradora da família Moreira Salles, maior produtora de nióbio do mundo.

Quem vai à cidade, mesmo que de passagem, não sai de lá sem esbarrar no sobrenome Zema. A começar pelo pequeno aeroporto, que recebe um voo comercial por dia, e foi batizado com o nome de Romeu, filho do fundador do grupo morto em um acidente aéreo na década de 50 e avô do Romeu que hoje toca os negócios. No caminho até o centro da cidade, passa-se por postos de gasolina, concessionárias e pelo mega centro de distribuição, onde entram e saem 60 caminhões por dia movimentando 30 mil mercadorias. Só no centro, são três lojas da Eletro Zema e uma quarta está em construção – todas a praticamente um quarteirão de distância uma da outra.

A família é uma das mais antigas da cidade – tem até um pequeno museu dedicado à sua história. O primeiro negócio – uma pequena loja de peças e acessórios para carros – foi montado em 1923, por Domingos Zema, que até então trabalhava como motorista.

Foi ele que inaugurou o primeiro posto de gasolina de Araxá. Mais tarde, tornou-se revendedor da Ford, da Studebaker e da DKW – marcas históricas de automóveis. Quando já estava com idade avançada, Domingos entregou os negócios nas mãos do filho Romeu, que acabou morrendo precocemente num acidente aéreo.

Virada

A empresa quase quebrou. Foi Ricardo, hoje presidente do conselho de administração, que resgatou o negócio. Na época da morte do pai, ele tinha apenas 14 anos. Foi assumindo o grupo aos poucos e nos anos seguintes protagonizou uma diversificação tão intensa que nem ele mesmo sabe dizer quantas empresas já teve seu conglomerado. “Acho que mais de 30”, calcula o octogenário.

O negócio de eletrodomésticos, que hoje é o carro-chefe do Zema, surgiu por acaso. A paixão de Ricardo sempre foram os automóveis e seu xodó, no grupo que fabricava até carroça, eram as concessionárias. Na década de 70, ao comprar uma revenda da General Motors, o empresário teve de ficar com uma loja da Frigidaire, marca de eletrodomésticos que hoje pertence à Electrolux, mas que na época era da montadora americana.

Até o fim dos anos 90, havia apenas quatro lojas de eletrodomésticos em operação. Foi Romeu, um dos três filhos de Ricardo, que promoveu a virada. “Sempre achei que as concessionárias limitariam nosso crescimento e que o futuro do grupo estava no varejo de eletrônicos e eletrodomésticos”, diz. Sem apoio do pai e dos irmãos para fazer a mudança, ele sugeriu que a companhia buscasse ajuda externa e instituísse um conselho de administração para avaliar os negócios da família.

A reestruturação que começou a partir daí foi radical. As revendas de veículos e os demais negócios, que respondiam por 63% do faturamento em 1990 e 40% no ano 2000, hoje representam 3,4% da receita. As áreas mais importantes passaram a ser a de distribuição de combustíveis, responsável por 50% do faturamento, e a própria Eletro Zema, que responde por 47% e se tornou a 9ª maior varejista de eletrodomésticos do País.

Nesse processo, foram mantidas quatro concessionárias e uma loja de autopeças, que nem sequer dão lucro, mas é vizinha da casa de Ricardo e recebe visitas diárias do patriarca. “Tivemos de conciliar rentabilidade com as questões de família”, diz Romeu. “Aquilo é a vida do meu pai.” Desde o início da reorganização, a empresa mantém critérios rigorosos de governança corporativa. Os conselheiros, entre eles ex-executivos da Bunge e da Votorantim, reúnem-se religiosamente dez vezes por ano em Araxá.

O rigor com a governança foi um dos fatores que ajudaram a empresa a sobreviver até a quarta geração. O Zema está entre o seleto grupo de 6% das companhias familiares brasileiras que, segundo a consultoria PwC, conseguiu manter os bisnetos dos fundadores no comando.

Para integrar os quadros da companhia, a quinta geração terá de fazer MBA, estudar fora do País e trabalhar por pelo menos cinco anos em uma grande empresa de outro setor. “Ainda não penso em me aposentar”, diz Romeu. “Mas terei o privilégio de fazer a primeira sucessão verdadeiramente planejada da companhia.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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