A luz cai a todo momento nas casas da periferia de Macapá. Moradores reclamam que o rodízio no abastecimento não funciona como propaga o governo. O vai e volta da energia aumenta o desconforto e agrava o clima de insegurança nas ruas escuras da capital do Amapá. Enquanto o presidente Jair Bolsonaro vende como normalizada a situação no Estado, a vida de moradores afetados pelo apagão segue repleta de improvisos e dificuldades.
Em transmissão ao vivo pelas redes sociais, Bolsonaro disse na segunda-feira que 70% da energia foram restabelecidos no Amapá e deu um prazo de nove dias para normalizar a situação. Quem percorre as periferia da capital percebe que a realidade é outra.
Alguns bairros têm estruturas distintas da distribuição de luz.
Com isso, ruas da mesma área ficam com horários de rodízio diferenciados. A falta de energia afeta ainda mais a rotina dos moradores quando a cidade aparece em destaque nas listas da criminalidade. Com uma taxa de 54,1 mortes por 100 mil habitantes, Macapá está entre as dez capitais mais violentas do País segundo o Atlas da Violência 2019.
Em uma parte do bairro Pacoval, a energia só chega a partir da meia-noite e é suspensa às seis da manhã. Sem ventilador, dormir antes da madrugada é impossível. A falta de luz nos postes e dentro de casa também traz preocupação à família de Socorro Almeida, 42 anos, da professora de reforço escolar
Na casa dela moram 15 pessoas, entre adultos e crianças. Colchões são espalhados pela varanda para que os pequenos tentem descansar. A família fica do lado de fora, na calçada, em busca de ar fresco. "Como está tudo escuro, é perigoso ficar aqui", admite.
Como as baterias dos celulares acabam, é preciso recorrer a velas, que tiveram preços inflacionados. A caixa sai a R$ 7,50 e não dura mais do que uma noite. É uma despesa importante para quem tem renda baixa. Definitivamente, as coisas não estão normais na casa de dona Socorro nem na extensão dessa localidade, próxima ao centro da capital.
Para que mais luz natural entre na casa durante o dia, parte da mobília e dos eletrodomésticos da cozinha ficam de fora. A geladeira perdeu utilidade. Parte da comida estragou nos dias sem energia. Mesmo com o rodízio, os períodos não são suficientes para congelar a comida nem para gelar água suficiente para todos os moradores da casa. "Nós estamos bebendo água quente", contou a professora. Se decidem se dar ao luxo de uma coca-cola gelada no comércio local, pagam R$ 15 na garrafa, em vez dos R$ 8 cobrados antes do apagão.
<b>Calor à noite</b>
Na sensação térmica de quase 40ºC, a solução é beber água quente. No ócio das noites escuras, vizinhos discutem o que é pior: ter luz até meia-noite e passar a madrugada no calor ou suar até o início da madrugada para poder dormir com o ventilador ligado.
Filha de Socorro, Maria Clara Barbosa de Almeida, 20, cursa Serviço Social. Sonha dar uma vida melhor à família e ajudar profissionalmente pessoas que precisam. No período de apagão, estudar está fora de cogitação. Manter-se segura, ter comida e água limpa são as preocupações centrais. "É sobre o nosso dia a dia, nossa rotina, que está completamente mudada. Tem muita gente se aproveitando de apagão, bandido aproveitando para roubar", disse. "Estão tendo acidentes também. Meu marido é ajudante de pedreiro e vigilante da obra. Ele precisa trabalhar e quase caiu de bicicleta em um buraco. O trabalho dele fica mais perigoso também."
<b>Saúde</b>
Há uma semana, desde o início do apagão, a UPA da Zona Norte de Macapá, no bairro Novo Horizonte, é auxiliada por um gerador que precisa ser ligado manualmente quando há pique de energia. Durante a hora em que a reportagem permaneceu na unidade, caiu o abastecimento do entorno por alguns minutos, derrubando luz e sinais de telefonia. "Já aconteceu outras duas vezes", contou uma mulher que acompanhava o marido em atendimento.
Segundo funcionários da unidade, o atendimento não é prejudicado porque equipamentos como respiradores têm baterias que são acionadas entre a queda da luz e a ativação do gerador. A unidade lida, também, com pacientes com a suspeita da covid-19. Banhos e lavagem de roupas e de máscaras perderam frequência. Autoridades sanitárias ainda têm dúvidas sobre como a doença afetará as aglomerações e falta de higiene.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>