O canto é forte e a voz soa como um instrumento de reverência à ancestralidade africana. Em seu novo disco, o quinto da carreira, o belo Mama Kalunga, a cantora baiana Virgínia Rodrigues se aprofunda ainda mais em um universo tão arraigado à sua própria história e música. Para isso, ela foi buscar a riqueza da composição de autores negros, que se enveredam desde temas ligados ao amor e à tradição até ao campo do candomblé. Do continente africano aos terreiros de Salvador. E é com esse disco que ela se apresenta nesta sexta-feira, 24, e sábado, 25, em São Paulo, no Auditório Ibirapuera.
O mais novo dessa safra de compositores, Tiganá Santana – também um dos produtores do disco ao lado de Sebastian Notini, sueco radicado no Brasil – escreve em línguas africanas. E Virgínia canta pela primeira vez em africano, em cinco músicas de Tiganá que estão nesse trabalho. “Eu queria, antes de tudo, falar do meu povo e falar também de como é grande a riqueza da música popular brasileira”, diz a cantora. “Porque as pessoas tendem muito a falar da herança europeia no Brasil, mas a música brasileira é o que é por causa da África, é linda demais e só é tão bonita, na minha opinião, por causa do povo negro. E isso não é falado. Tem uma coisa grande no Brasil em se dizer que é descendente de europeu, e do índio e do negro ninguém fala. Isso tem me incomodado bastante.”
Virgínia trouxe ainda canções do paulista Geraldo Filme e sua pérola Vai Cuidar de Sua Vida, carregada de fina ironia crítica (Crioulo cantando samba/Era coisa feia/Esse nego é vagabundo/Joga ele na cadeia/Hoje o branco tá no samba/Quero ver como é que fica); da nobre dupla Moacir Santos e Nei Lopes em Sou Eu; do príncipe do samba Paulinho da Viola e seu olhar sobre o amor em Nos Horizontes do Mundo; de Roberto Mendes (muito gravado por Maria Bethânia) e de Nizaldo Costa, a sofrência amorosa em Teus Olhos em Mim, entre outros. Durante o processo de definição de repertório, Virgínia descobriu autores que até então não conhecia, como o mineiro Abigail Moura, que teve participação em músicas que alcançaram sucesso, como Chorar é meu Consolo, e cuja obra foi apresentada à cantora por Tigana.
Na sua coleção de canções que daria corpo ao novo disco, Virgínia queria fugir do óbvio. “Não sou muito fã de gravar músicas conhecidas e muito gravadas. Então, queria fazer um disco mais inédito ou que as regravações não fossem conhecidas. Esse foi o caminho”, explica. “No meu disco Sol Negro, tem uma música de Caetano que só a Gal e a Bethânia gravaram, que foi Sol Negro. Só escolho coisas assim, que quase ninguém fez.”
Virgínia admite que ficou tentada a incluir alguma música de Gilberto Gil. “Não coloquei música do Gil porque ele já é tão conhecido. Achei justo dar lugar para os desconhecidos, se bem que Paulinho da Viola é tão conhecido quanto Gil. Mas ficaram coisas do Gil que quero gravar. Ele tem muita coisa linda, passei um domingo inteiro tomando overdose do Gil, e fiquei muito tentada, mas aí o disco ia ficar grande demais e perder a beleza.” O disco traz participações da cantora afroperuana Susana Baca e da atriz brasileira Ruth de Souza.
Vocação
Adepta do candomblé, Virgínia Rodrigues viu sua vocação musical se aflorar nas apresentações das igrejas, católica e protestante, para onde era levada pela família quando criança e adolescente. Nesses locais, ela participava ativamente dos corais. Mas deixa claro: ia pela música, não pela religião. Numa dessas apresentações, Márcio Meirelles, diretor do Bando de Teatro Olodum, viu a cantora e a levou para sua trupe. No grupo, é contemporânea do ator Lázaro Ramos, com quem mantém amizade.
E foi como integrante do bando que Virgínia chamou atenção de Caetano. Admirado por seu talento, o músico se tornou uma espécie de padrinho da carreira da cantora, fazendo com que ela se fizesse conhecida no Brasil e no exterior. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.