O sol forte e a temperatura próxima aos 30ºC, aliados a duas provas extensas e cansativas e a necessidade de depender do transporte público, não são impeditivos para a realização de sonhos. Ao menos para dois candidatos que fazem a segunda e última prova do Enem neste domingo, 9, na Fapa (Faculdade Porto-Alegrense), em Porto Alegre.
Se valendo de uma cadeira de rodas motorizada, Juliana do Nascimento, 21 anos, vence as ladeiras do campus, onde milhares de candidatos realizam o exame. Cadeirante desde a infância, Juliana deve encerrar o colégio apenas no próximo ano, mas espera, com um bom resultado no Enem, encurtar este tempo.
“Pela minha idade e se eu for bem no exame, quero tentar encerrar os estudos com esta prova. E depois partir para uma faculdade de direito, que é o meu sonho”, conta a secretária de um centro social na zona norte de Porto Alegre.
Juliana não encontrou maiores dificuldades na prova desse sábado. Mas adverte: “Pela minha experiência, tem que prestar atenção nas aulas. Se for só estudar em cada, não dá.”
Apesar dos ônibus lotados que teve que tomar, ela não passou por problemas para acessar o local de prova. “Tem acessibilidade. Está sendo muito tranquilo de entrar na sala de aula.”
Superação
No mesmo prédio em que Juliana faz a prova, Paulo Casagrande, 49, procura sua sala. Funcionário publico, ele realiza seu terceiro Enem. Suas notas vêm subindo gradativamente, mas um outro detalhe impediu que ele realizasse seu sonho. “No ano passado consegui uma vaga na faculdade de fisioterapia, mas por 16 reais não obtive bolsa de estudos”, comenta. Sua renda familiar ultrapassou em poucos reais o limite para o benefício integral. Mas isso não desanima o estudante, que caminha com dificuldade.
Há 28 anos, recém chegado a Porto Alegre vindo do interior do Estado, Casagrande levou cinco tiros em uma abordagem criminosa. Graças ao reflexo, uma das balas que estava endereçada ao coração foi parada pelo seu braço esquerdo. Porem, outro projétil atravessou seu abdome, atingindo a coluna.
“Fiquei 45 dias sem mexer nada. Depois de muita fisioterapia, meus movimentos foram voltando, e um ano e dois meses depois, consegui ficar em pé novamente. Mas ainda não terminou. Olha como essa perna é mais fina que a outra”, conta, mostrando a coxa esquerda atrofiada.
Casagrande virou um defensor do sistema de cotas. “Fiquei praticamente dez anos parado sem poder sair de casa, passando um tempão sem acompanhar os estudos. Agora com a internet é mais fácil, mas mesmo assim é muito complicado para quem precisa de cuidados”, revela. Ele virou funcionário público ao ser aprovado em um concurso utilizando as vagas para portadores de necessidade.
Cursando atualmente uma faculdade privada de Gestão em Recursos Humanos, ele pretende conquistar uma bolsa integral para acabar o curso. E, mais tarde, fazer a faculdade de fisioterapia. “Fiz cinco anos de fisioterapia intensa, quando aprendi a gostar da profissão. Além do mais, quero retribuir tudo o que fizeram por mim.”