Estadão

Entenda a decisão do STJ que obriga bancos a identificarem transações suspeitas

Os criminosos ligaram de um número que simulava o do banco e pediram atualizações no cadastro da conta conjunta do aposentado Ageu Gonçalves da Silva, 75, ex-servidor da Polícia Civil do Distrito Federal, e de sua mulher, Adilma José de Sousa Silva, 70, inclusive o aumento no limite das transações. Minutos após a ligação, todo o dinheiro do casal, R$ 8.820,80, havia sido usado para pagar boletos dos estelionatários. Eles também usaram os dados dos idosos para pegar um empréstimo de R$ 60 mil e para gastar R$ 8 mil no cartão de crédito.

Foi uma longa disputa judicial até conseguirem a restituição de suas reservas e o cancelamento do contrato de empréstimo. Embora tenha detectado a transação suspeita, o banco se recusou devolver o dinheiro. O golpe aconteceu em junho de 2020 e a decisão que deu ganho de causa aos idosos veio do Superior Tribunal de Justiça (STJ) neste mês de outubro de 2023.

"Como você vai passar a responsabilidade de uma dívida para uma pessoa que sofreu um golpe?", questiona o advogado Fabrício Magalhães de Oliveira, que representa Ageu e Adilma no caso.

Moradores de uma cidade satélite do Distrito Federal, eles vivem da aposentadoria de Ageu. A mulher não tem renda. O dinheiro que estava na conta foi usado pelos criminosos para pagar boletos em série da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, o que era totalmente atípico para os padrões de gasto do casal.

"Era fácil para o banco identificar a fraude e bloquear a conta, mas as medidas de segurança não foram adotadas. Eles perderam R$ 8 mil do dia para noite, tendo compromissos para arcar, remédios e plano de saúde para pagar. Querendo ou não, a pessoa fica muito abalada", segue o advogado.

Ao julgar o caso, a Terceira Turma do STJ definiu um precedente importante: o banco tem o dever de identificar e impedir transações que destoam do perfil do cliente e pode ser responsabilizado quando houver fraude.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do processo, defendeu que os bancos, ao permitirem a contratação facilitada de serviços, por meio de redes sociais e aplicativos, têm o dever de desenvolver mecanismos de segurança.

"A ausência de procedimentos de verificação e aprovação para transações que aparentem ilegalidade corresponde a defeito na prestação de serviço, capaz de gerar a responsabilidade objetiva por parte do banco", afirmou.

O ex-ministro da Controladoria Geral da União (CGU), Valdir Simão, sócio do Warde Advogados, explica que os bancos podem ser condenados a indenizar os clientes em caso de prejuízos causados por fraudes na conta.

"Os bancos têm plena condição de atender essa decisão porque o sistema de compliance e de prevenção à lavagem de dinheiro dos bancos brasileiros é um dos mais avançados do mundo. E a atipicidade da movimentação financeira é possível de ser rastreada e monitorada", defende o ex-ministro.

Mecanismos de análise do perfil de consumo e despesa dos correntistas já vêm sendo usados pelas instituições bancárias, lembra o advogado Rodrigo Forlani Lopes.

"É comum hoje em dia receber alerta de banco questionando se determinada movimentação ou compra foi mesmo feita pelo titular da conta, pois, além de proteger o consumidor, essa conduta faz parte da política de redução de prejuízos dos próprios bancos", destaca o sócio do escritório Machado Associados.

A advogada Flávia Pietri, especialista em Direito Digital, avalia que a decisão do STJ ajuda a regulamentar a mudança na prestação dos serviços bancários com a internet.

"As medidas buscam o equilíbrio entre a infinidade de inovações tecnológicas e seu uso seguro, contornos necessários considerando a velocidade com que têm sido trazidas para as condições negociais, inclusive alavancadas pela inteligência artificial, que para serem benéficas, além de regramento, carecem da criação de mecanismos totalmente exequíveis para referida segurança", explica a sócia da Nascimento e Mourão Advogados.

A criminalista Lucie Antabi, especializada em Direito Penal econômico, lembra que o Código de Defesa do Consumidor é aplicável a instituições financeiras e já tinha previsões no sentido do que agora decidiu o STJ.

"Evidentemente que a ausência de procedimentos de verificação e aprovação para transações atípicas e que aparentam ilegalidade corresponde a defeito na prestação de serviço, capaz de gerar a responsabilidade objetiva por parte da instituição financeira. E, nesse ponto, destaca-se que somente as instituições financeiras detêm os meios adequados para recusar estas transações atípicas", afirma o advogado do Damiani Sociedade de Advogados.

<b>É dever dos bancos</b>
Verificar a regularidade e a idoneidade das transações dos clientes;
Identificar movimentações financeiras que destoem do perfil do correntista;
Desenvolver mecanismos para dificultar fraudes.

<b>Sistema anti-fraude
</b>
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) afirma que os investimentos da rede bancária em sistemas de prevenção a fraudes e de segurança gira em torno de R$ 3,5 bilhões por ano.

Os mecanismos incluem, desde o monitoramento de transações bancárias até exigências mais robustas para comprovação de identidade, além de campanhas de conscientização e esclarecimento da população.

"Atualmente, ter acesso a fotos, documentos e informações não são suficientes para que seja possível contratar um empréstimo ou abrir uma conta. As instituições financeiras têm robustos processos de identificação e segurança que impedem essa contratação sem a ciência e confirmação do contratante de todas as condições acordadas", afirma a Febraban.

<b>Como se proteger dos golpes?</b>

Desconfiar de vantagens exageradas ou exigências de pagamento antecipado, seja de IOF, taxas de cadastro ou antecipação de parcela;
Nunca fornecer senha, número do cartão ou transferência;
Não fechar o negócio por telefone. Pedir propostas por escrito;
Ao receber uma ligação suspeita, procurar a instituição financeira por meio dos canais oficiais.

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