A aprovação da reforma tributária, que, de acordo com o Banco Mundial, é extremamente difícil em qualquer país democrático do mundo, jogou definitivamente por terra interpretações de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estaria "diante de um Congresso hostil e indócil, que praticamente inviabilizaria a sua governabilidade".
Destruiu também interpretações de que o presidencialismo de coalizão seria disfuncional ou que estaríamos sob uma espécie de semipresidencialismo informal, em que o presidente enfraquecido é refém indefeso do um Legislativo dominado por um Centrão guloso e sem limites.
Na realidade, não apenas a reforma tributária, mas as aprovações da PEC da Transição, do Marco Fiscal, e das indicações de Flávio Dino para o Supremo Tribunal Federal e de Paulo Gonet para a Procuradoria-Geral da República, demonstraram, mais uma vez, a força institucional do presidencialismo multipartidário.
Embora os custos de gerência de coalizão de Lula estejam mais altos em termos de emendas parlamentares do que no governo Bolsonaro – que montou coalizão minoritária de sobrevivência – e a sua taxa de sucesso no Legislativo seja a pior em 33 anos, a governabilidade está preservada. Não há paralisia decisória nem crises abertas entre Poderes, mas disputas virtuosas dentro dos limites institucionais.
O alto custo de governabilidade e o relativo baixo desempenho legislativo (especialmente a reduzida aprovação de Medidas Provisórias e de Projetos de Lei ordinários) não podem ser atribuídos a um suposto Congresso adversarial ou "indócil" nem tampouco ao enfraquecimento do Executivo, mas aos inúmeros erros de gerência de coalizão cometidos sistematicamente pelo próprio governo.
<b>Coalizão</b>
Algumas das restrições políticas para gerência de coalizão foram atenuadas no terceiro mandato de Lula. A fragmentação partidária diminuiu, voltando ao patamar de nove partidos efetivos da era FHC; as bancadas dos principais partidos aumentaram; a composição ideológica do Legislativo não é mais conservadora; a coesão partidária segue altíssima; a super coalizão do presidente é amplamente majoritária; a oposição é francamente minoritária. Ou seja, o inferno não são os outros!
Lula preferiu apoiar as candidaturas à reeleição de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco para as presidências da Câmara e do Senado, respectivamente. Com isso, perdeu a oportunidade de ter nesses postos-chave, que controlam a agenda do Congresso, líderes mais próximos de sua preferência.
Tinha condições de montar maiorias estáveis se sinalizasse para seus potenciais parceiros que compartilharia poder e recursos proporcionalmente ao peso político de cada aliado no Legislativo, como fizeram FHC e Temer. Mas ao contrário, reproduziu o velho modelo de monopolização de ministérios, cargos na burocracia e recursos orçamentários no próprio PT, como tem sido a tradição do partido.
<b>Emendas</b>
Também preferiu não enfrentar problemas causados pela impositividade das emendas individuais e coletivas criados pelos governos Dilma e Bolsonaro. Escolheu reproduzir a sua versão de "orçamento secreto", via emendas Pix, traindo inclusive seus eleitores, que esperavam mais transparência no jogo entre o Executivo e o Legislativo, como prometido em campanha.
Montou coalizão gigante, com 16 partidos extremamente heterogêneos ideologicamente e sem uma agenda que os unificasse ou que servisse de guia para a atuação de parceiros. Tal perfil tem gerado custos de coordenação e dificuldades governativas.
As escolhas de Lula, e não a hostilidade do Legislativo, é que têm acarretado a ineficiência de seu governo no Congresso. Diante de um Executivo constitucionalmente poderoso como o brasileiro, quando algo não funciona bem com o Legislativo, a responsabilidade é do presidente. As razões da desordem, portanto, estão em casa!
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>