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ESPAÇO AAPAH – Olivetti: análise arquitetônica do patrimônio industrial

A fabricante italiana de máquinas de escrever e de calcular, Olivetti Industrial S.A (posteriormente, Olivetti do Brasil) possuía uma sede comercial em território brasileiro desde a década de 1930, porém, sua atividade foi interrompida pela Segunda Guerra Mundial. Assim, retorna ao país em 1952, com a produção e comercialização de seus produtos em acomodações no Rio de Janeiro, que se tornaram insuficientes após o crescimento do mercado. Para consolidar tal expansão, em meados da década de 1950 o arquiteto escolhido para executar o projeto da nova sede foi o italiano Marco Zanuso (nascido em 1916, morto em 2001. Arquiteto, urbanista e designer natural de Milão, Itália, formado em 1939 na Escola Politécnica de Milão, onde também leciona), cuja parceria com Adriano Olivetti vinha desde o projeto da fábrica argentina, em 1954. Por questões logísticas e comerciais o local escolhido foi o crescente polo econômico e industrial localizado em São Paulo: o município de Guarulhos, mais precisamente a Rodovia Presidente Dutra, recente ligação entre os estados de São Paulo e Rio de Janeiro, onde foi comprado um terreno de cerca de 85.000 m², ampliado por compras posteriores, que foi o caso da chácara da família Saraceni, por exemplo.
 
Datado de 1957, o projeto de Zanuso para a sede brasileira da fábrica da Olivetti propunha unidades celulares que estruturavam a construção e setorizavam o espaço interno do edifício, estratégia adotada no projeto argentino, mas com duas limitações significantes no território de Guarulhos: o declive natural do terreno e o calor e luminosidades intensos, dos quais os funcionários deveriam ser protegidos para garantir maior conforto. A solução arquitetônica também deveria prever a acomodação do ciclo completo de produção: desde o tratamento da matéria prima dos componentes até a sua finalização; espaços para serviços sociais e culturais para os funcionários, como clube de lazer, enfermaria e refeitório. Todos os programas deveriam ser inseridos de forma que a estrutura espacial se adaptasse bem à modernização da produção e outras possíveis alterações em seu layout (distribuição de mobiliário e função espacial), logo, eram necessária certa flexibilidade da planta de arquitetura.  
 
Para atender a essas exigências, Zanuso adota soluções inovadoras para a época: as já mencionadas unidades celulares que, na parte central da planta das oficinas de produção, são conformadas pelo triângulo equilátero de lado curvo e 12 metros de lado. Cada triângulo compõe uma espécie de abóbada que se combina em duas alturas distintas, resultando numa cobertura composta por cheios e vazios que conformam uma espécie de shed numa releitura do organicismo italiano para o desenho tradicional do edifício fabril. Shed é o termo que se usa para designar os telhados de uma água com um plano vertical de vidro que permite ventilação e iluminação naturais, vencendo grandes vãos, por esses motivos é comumente aplicado em galpões e fábricas. 
 
A abóbada, erguida com tijolos cerâmicos armados revestidos, apoia-se em colunas ocas de concreto armado de seção circular de grande perímetro posicionada em cada um de seus vértices. Essas colunas abrigam em seu interior os dutos de ar condicionado, controles de distribuição de energia termoelétrica para a maquinaria e dutos de drenagem de águas pluviais.
 
O elemento triangular possui área correspondente a 72 m², adequado para a setorização do espaço interno do volume sem que necessite de divisórias físicas para definir os setores da produção, que apresentavam constante transformação. Com essa solução a expansão da fábrica pode ser realizada sem maiores problemas, pois a adição de módulos estaria dentro de uma lógica racional de construção, e as colunas ocas com função de dutos dispensariam espaços adicionais para os sistemas de instalações prediais, conforme observado nos cortes e maquete (CIGLIANO, 2010).
 
A sobreposição das cúpulas em diferentes alturas cria aberturas propícias para o clima local, amenizando a forte incidência solar e promovendo ventilação natural também através da combinação entre as aberturas na cobertura e os dutos formados pelas colunas ocas.
 
O edifício da linha de montagem das máquinas de escrever foi desenhado em duas construções retilíneas, diretamente articuladas ao volume das cúpulas. Edificados em concreto armado respeitando o mesmo módulo do triângulo equilátero de 12 metros de lado, o que permitiu a comunicação direta com o edifício da produção. Sua cobertura é composta por lajes planas associadas a sheds apoiadas por colunas cilíndricas também ocas, mantendo a lógica de concentrar os dutos na estrutura (Kühl, 2008). Esse último volume mencionado foi resultado de uma da ampliação realizada em 1963, publicada na revista Acrópole:
 
Trata-se de um edifício de dois andares de 204 x 27,5 m de área, destinado à linha de montagem das máquinas de escrever, de um aumento dos escritórios, de depósito para bicicletas e de nova garagem, êstes últimos em estrutura pré-fabricada de concreto armado sistema Toschi. (ACRÓPOLE, 1964, p.105)
 
O conjunto industrial da Olivetti pode ser considerado patrimônio arquitetônico e cultural, pois propunha uma releitura das plantas fabris convencionais através das questões plásticas, atribuindo ao shed tradicional a elegância das abóbadas combinadas em diferentes alturas; as técnicas aplicadas são inovadoras para o período, por conta do uso das colunas ocas e o uso da cerâmica armada para a construção das abóbadas; os modos de produção empregados e serviços oferecidos aos funcionários e operários, afinal, segundo Beatriz Kühl (2008), a preservação da memória do trabalho é essencial. A empresa oferecia a seus funcionários almoços especiais em determinados dias da semana, clube para o lazer da família, entre outras facilidades além dos direitos básicos. Os relatos de antigos funcionários são de grande apreço por uma empresa em que se tinha prazer em trabalhar, pois tratava com especial atenção seus empregados.
 
As fachadas expressivas da antiga fábrica são comumente relembradas por moradores de Guarulhos e transeuntes da área. Tratava-se de um marco na paisagem da Rodovia, associado diretamente aos produtos que lá eram produzidos, as abóbadas são relacionadas com as próprias máquinas, fazendo uma alusão às teclas, por exemplo. Quem nunca ouviu que vista de cima tem a aparência de uma máquina de escrever?
 
Durante a década de 1990 as máquinas de datilografar foram substituídas por nova tecnologia, o computador, e tornaram-se obsoletas, o que causou o fechamento da fábrica. Comprada pela tradicional família Veronesi e seus sócios, o edifício foi adaptado para abrigar o atual Internacional Shopping Guarulhos.
 
Com 212 mil m² de área total construída e 78 mil m² de Área Bruta Locável (ABL), o Shopping Internacional de Guarulhos possui estacionamento com 3.800 vagas de veículos. No shopping prevalece o aproveitamento da luz e da ventilação naturais, e a manutenção de estrutura existente que pertencia à antiga Fábrica Olivetti. (COLTRO FERRARI, s.d.)     
 
Os arquitetos responsáveis pela reconversão de uso foram da equipe do escritório Coltro Ferrari, que descaracterizaram a fábrica quase que em sua totalidade. As abóbadas e coberturas foram mantidas, bem como o restante do sistema estrutural que as compõem, mas as fachadas foram demolidas, mantendo-se apenas a geometria hexagonal em alguns pontos específicos. Além disso, outros fechamentos foram derrubados, bem como alguns edifícios anexos de menor expressão arquitetônica, resultantes da ampliação da fábrica posteriores a 1963.
 
Legenda: Cobertura da antiga fábrica após a intervenção: vidros azuis nos sheds, pilares revestidos e retificados. Foto da autora, 2017.
Essa intervenção foi possível porque diante à iminente construção do shopping, apesar do pedido de tombamento do conjunto pelo CONDEPHAAT, em 15 de abril de 1997 a destruição foi realizada e em razão disso, apenas as coberturas e estrutura de sustentação foram tombadas. (KÜHL, 2008).
 
Apesar da suposta garantia de preservação de parte fundamental de caracterização do conjunto, a fábrica sofreu uma deformação irreversível, recebeu elementos arquitetônicos que nada remetem ao edifício original e seu antigo uso. Sua memória foi obstruída por letreiros e representações de monumentos icônicos mundiais fora de contexto. Valorizar o patrimônio fabril e preservá-lo é também proteger a história do nosso município. 
 
Para saber mais:
1. BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2012. 398 p. 
2. CIGLIANO, Francesca. Marco Zanuso ed Adriano Olivetti: Industrializzazione e progetto. 2010. 111 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Arquitetura, Facoltà di Architettura Civile, Politecnico di Milano, Milão, 2010. Disponível em:
3. Fábrica Olivetti em Guarulhos. REVISTA ACRÓPOLE. n. 265, nov. 1960. p.5
4. KÜHL, Beatriz Mugayar. Preservação do patrimônio arquitetônico da industrialização: problemas teóricos de restauro. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2008. 325 p.
5. Le cupole di Zanuso: una fabbrica in Brasile. Online. Disponível em: < http://www.storiaolivetti.it/percorso.asp?idPercorso=624 > 
 
Texto adaptado da monografia que compõe o trabalho final de graduação da autora, sob orientação da profª drª Roseli Maria Martins D'Elboux.
 

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