Espero que o PSDB não esteja no ciclo descendente, diz FHC

A hesitação do PSDB demonstrada na eleição para o comando da Câmara dos Deputados obriga o partido a "tomar um rumo", avaliou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Para ele, cabe à sigla dar ao eleitor clareza sobre seu posicionamento como uma alternativa ao governo do presidente Jair Bolsonaro.

Na sua opinião, o PSDB necessita de líderes capazes de sintetizar um projeto que busque garantir saúde, emprego e renda, e consiga apontar os erros da atual gestão. Caso não seja capaz disso, é possível que o partido entre em um ciclo de declínio, disse o ex-presidente. FHC, no entanto, afirmou ver pouco impacto dos resultados das eleições para a cúpula do Congresso nas disputas de 2022. Leia os principais trechos da entrevista ao Estadão.

<b>O PSDB negligenciou seu papel de oposição ao presidente Jair Bolsonaro na eleição para a presidência da Câmara?</b>

No meu ponto de vista, o PSDB deveria ser mais claramente de oposição. O que aconteceu ontem (anteontem) não surpreende, é a força do presidente. Sei como é isso. A força do presidente é muito grande e é muito difícil ganhar uma eleição no Congresso contra o presidente. Mas se não vai ganhar, é para marcar posição. Acho que o PSDB ficou um pouco esvaecido lá.

<b>Como o sr. avalia o resultado das eleições? Que reflexos podem ter em 2022?</b>

Eleitoral, nenhum. O povo funciona de outra maneira. Vai depender quem são os candidatos, as pessoas que se apresentam ao povo. Do ponto de vista político, tem consequências, porque dificulta qualquer processo contra o presidente e facilita a tramitação de qualquer matéria que o governo tenha empenho.

<b>A aliança entre Bolsonaro e o Centrão é um projeto que deve sobreviver até as eleições? </b>

O que existe na eleição majoritária à Presidência é a relação do candidato com o eleitorado. Claro que a estrutura partidária ajuda, mas não é decisiva.

<b>O sr. transmitiu anteontem uma mensagem à bancada do PSDB, dizendo que o partido deveria ter uma posição clara…</b>

Sim, dei minha opinião porque acho isso. Em política, ou você tem posição clara ou fica difícil, as coisas ficam escorregadias. Quem se beneficia do cenário "resvaloso" é o governo, sempre.

<b>Na mensagem, o sr. diz que ou deveria haver uma posição clara ou o partido poderia dar adeus a chances de construir uma aliança que pudesse disputar as eleições. Ainda pensa assim?</b>

Foi isso mesmo. O povo não é bobo. A gente pensa que (a população) não percebe, mas percebe. Se você não toma posição no tempo oportuno, quando chega a hora H é tarde.

<b>Não tomar posição pode fazer o partido cair na vala comum das legendas que cederam ao toma lá, dá cá?</b>

Não é o que eu gostaria, mas acaba, né? Se for por esse caminho, acaba.

<b>O governador João Doria, cuja pré-candidatura já está colocada, tem uma relação muito próxima com Rodrigo Maia e se envolveu na eleição na Câmara. De que forma esse resultado o afeta?</b>

De alguma forma, mexe com as articulações políticas. No caso do PSDB, tem duas candidaturas mais fortes, a de Doria e a do Eduardo Leite, (governador) do Rio Grande do Sul. Não sei se o Eduardo Leite vai se candidatar. O Doria certamente tem possibilidade, como governador de São Paulo. Agora, o problema tanto de um quanto de outro é ganhar o resto do Brasil. Nasci no Rio, mas me lembro que era muito difícil entrar na Baixada Fluminense. O povo tem que sentir que o candidato que eles escolhem tem ligação com eles, expressam alguma coisa. Tem de tentar contato direto, algum fio que ligue com as regiões.

<b>Para crescer fora dos Estados, são necessárias alianças fortes. Elas se tornam mais importantes… </b>

Ajuda a penetrar, mas o mais importante de tudo é a ligação direta, via mídia. A atitude que as pessoas tomam. Inclusive pode aparecer algum candidato que não se conheça e que caia no gosto da população. É difícil nesta altura dos acontecimentos, mas é preciso que haja algum relacionamento com o sentimento do eleitorado. Se não houver, não tem jeito.

<b>Nesse sentido, o PSDB precisa fazer uma análise interna, ir para o divã?</b>

Sem dúvida nenhuma. O PSDB precisa tomar rumo, precisa ter uma palavra afirmativa forte. Os partidos têm seus ciclos. Espero que o PSDB não esteja em seu ciclo descendente. Mas, se estiver, pobre do PSDB. E não é em nome do PSDB, é em nome dos interesses do povo. Eleição é uma coisa conjuntural, mas não é só conjuntural. Tem de ir se formando, ter enraizamento.

<b>Precisa, então, de lideranças?</b>

Sim, lideranças, não tenha dúvida. Querendo ou não, tudo depende muito de lideranças na vida política. Não adianta você ter um sentimento sem ter quem o expresse, quem o encarne. O Ulysses Guimarães dizia: Quem fulaniza isso? Tem de fulanizar. Quem representa isso? Você é símbolo de um sentimento mais amplo. O povo não vota em você porque é feio ou bonito, mas porque você simboliza um sentimento. Dá tempo para fazer isso? Dá, mas tem que fazer.

<b>Fulanizando a conversa, Rodrigo Maia, agora ex-presidente da Câmara, saiu desgastado com o DEM durante esse processo…</b>

O que eu lamento, porque ele é uma pessoa com capacidade afirmativa.

<b>Há rumores de que ele poderia deixar o DEM e migrar para o PSDB. Como o sr. avalia isso?</b>

Eu adoraria. Mas, do ponto de vista político, estará trocando doze por meia dúzia, porque PSDB e PFL (antigo nome do DEM) sempre andaram juntos. Agora, do ponto de vista pessoal, a presença do Rodrigo é boa. Para mim, seria muito bem-vindo.

<b>Sobre Luciano Huck, um nome com quem o sr. dialoga, já seria hora de ele se posicionar sobre o ingresso ou não na política?</b>

Está chegando a hora. O Luciano tem uma vantagem, ele é conhecido popularmente. Ele é conhecido como uma pessoa que sabe falar com o povo, mas não como líder político. Ele tem de se apresentar como líder político.

<b>Ele pode fulanizar um projeto?</b>

Ele é capaz, mas precisa fulanizar um projeto político (enfatizando a palavra), precisa ter um projeto. Se tiver um projeto que bata com as necessidades, tem chances. Acho que estão todos na mesma. Daqui por diante, começa o jogo real para ver quem vai encarnar o quê. Quem vai ser a pessoa que encarne alguma coisa que toque na alma do povo.

<b>Um candidato do PSDB tem que encarnar o quê? Qual é o projeto que tem chances de bater Bolsonaro nas urnas? </b>

Você nunca tem um projeto abstrato. É com quem está situado. Bolsonaro está situado. É presidente, teve votos e foi capaz de falar com uma parte da população. Como o Doria também, o Eduardo Leite também. Quem ganha a eleição mostrou que tem essa capacidade. Quem ainda não ganhou vai ter que mostrar. Você tem de antagonizar quem tem outro lado. Se o PSDB optar por ser contra o que está acontecendo no governo atual, tem que mostrar claramente isso. Tem de tentar ganhar a população. Pode ganhar, pode não ganhar. Depende do jogo eleitoral e partidário. Mas tem de ter posição clara. Em política, não tem esse negócio de ficar enrustido. É cartas na mesa.

<b>Os novos presidentes da Câmara e do Senado fizeram discursos em favor da ciência e da vacinação, em declarações contrárias às que o presidente costuma dar. O presidente pode também atenuar um pouco esse discurso?</b>

Depende da oposição também mostrar que, nesta matéria, ele é retrógrado. Política depende muito de você marcar posição. O que as pessoas veem como necessário para elas? Saúde, em primeiro lugar, por causa da pandemia, depois emprego e depois melhorar de vida, renda. Essas são as questões que vão ser postas e o PSDB tem de ter uma posição clara. O candidato do PSDB tem de falar sobre esses temas. E tem que dizer que vai mal.

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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