Viajantes, porém, são principal meio de tráfico. Cumbica teve 343 prisões em 2022, o mais alto número em dez anos.
Para enviar mais drogas ao exterior de uma só vez, o Primeiro Comando da Capital (PCC) e outras quadrilhas menores apostam em cada vez mais “infiltrados” entre os funcionários das empresas que prestam serviços ao Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos. As táticas vão desde a troca de bagagens, como no caso das duas goianas presas injustamente na Alemanha, a esconder cocaína entre cobertores. As “mulas” (passageiros que levam a carga ilegal nas malas) ainda são a estratégia mais comum, mas não conseguem transportar grandes volumes. Com funcionários cooptados, é possível aumentar o tamanho dos pacotes.
Dados da Polícia Federal apontam que o maior aeroporto do País teve 343 prisões por tráfico em 2022, o mais alto número em dez anos. Já a quantidade de drogas chegou ao segundo maior patamar do período (2.910,7 quilos). E não há indícios de desaceleração: de janeiro a abril deste ano, uma tonelada foi interceptada pela PF – 9% a mais do que no mesmo recorte do ano passado.
“Temos observado no aeroporto um incremento do tráfico de drogas”, disse ao Estadão o delegado Rodrigo Weber de Jesus, que comanda a Delegacia Especial em Cumbica. A alta é puxada pelo tráfico de cocaína, produzida em Bolívia e Colômbia e repassada a receptores de Europa, Ásia e África. O PCC ganhou força nos últimos anos após o vácuo de poder no tráfico boliviano, que viu um de seus principais líderes ser assassinado. “Pela proximidade com países produtores da droga, o Brasil acaba sendo uma espécie de ‘hub’ da América do Sul”, afirmou.
Marcio Christino, procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo (MPSP), afirma que a principal forma de escoamento de drogas do Brasil para a Europa é pelo transporte marítimo. “Mas a rota aérea também se firmou nos últimos anos.” O motivo, segundo ele, foi o assassinato, em 2016, de Jorge Rafaat Toumani, o “Rei da Fronteira” da Bolívia.
Depois disso, o PCC intensificou o transporte de cocaína e diversificou as formas de envio. “Hoje é o grande fornecedor de cocaína para África e Europa”, afirma Christino. “Esse aumento do tráfico é fruto da ação coordenada de um cartel formado por produtores bolivianos, com os quais o PCC se associou, que buscam um mercado exterior. E eles precisam passar pelo Brasil”, diz.
DE ‘MULAS’ E COOPTAÇÃO. A maior parte das tentativas de enviar droga passa pelas “mulas”, que normalmente recebem de R$ 5 mil a R$ 10 mil para levar cocaína na bagagem ou, em casos mais extremos, até no corpo. Uma das estratégias é colocar várias em um só voo para tentar fazer com que, se investigadores suspeitaram de um dos passageiros, ao menos alguém passe despercebido. “Essa é uma tática que já constatamos. No ano passado, houve ação com 16 pessoas presas”, afirmou Jesus.
Mais recentemente, ganharam força os esquemas que envolvem profissionais que trabalham no próprio aeroporto. “Tem sido bastante recorrente”, disse o delegado. A cooptação, explica, geralmente ocorre quando os profissionais já trabalham por lá. Os esquemas costumam envolver ao menos quatro pessoas, sem contar organizadores. Em casos envolvendo troca de bagagem, as funções ficam bastante claras. “É preciso ter uma pessoa que traz (a mala), uma que despacha e uma que desvia lá dentro. Além de uma quarta no destino”, disse o delegado Felipe Faé Lavareda ao Estadão. A PF deflagrou ao menos quatro operações contra o tráfico em Guarulhos neste ano, mas praticamente todos os dias há prisões.
Investigações da PF apontam que, por meio da cooptação de funcionários, o crime organizado busca enviar até malas abarrotadas de cocaína para fora do País, uma vez que escapam da área de raio X do aeroporto. Por isso, os valores pagos aos envolvidos podem ser ainda maiores que no caso das mulas, principalmente em carregamentos entre 50 quilos e 100 quilos. “Os envolvidos são pessoas que ganham entre 1 e 2 salários mínimos, e o patrimônio, quando são presos, muitas vezes inclui casas, dinheiro em espécie”, disse o procurador da República Alexandre Jabur, do Ministério Público Federal (MPF). “Houve casos de pessoas encontradas com um valor na ordem de até R$ 200 mil.”
Como parte da Operação Área Restrita, o procurador denunciou, em 2021, um grupo de 15 pessoas pelos crimes de associação para o tráfico internacional de drogas e tráfico internacional de drogas. Os suspeitos são acusados de participar de esquemas para enviar drogas à Europa – principalmente para Lisboa. Os episódios, segundo a denúncia, envolvem tentativas de enviar até 98 quilos de cocaína em malas com etiquetas trocadas, de enganar a fiscalização para permitir que caminhões ingressem com bagagem com drogas na área restrita e até de inserir sacos lacrados com cocaína escondida em meio a cobertores distribuídos nos voos. A denúncia foi recebida no ano passado e está em fase de instrução, segundo a Justiça Federal. Ainda não há sentença.
Jabur afirma que, pela complexidade da logística, o tráfico internacional de drogas em Guarulhos geralmente envolve organizações criminosas daqui, mas nem sempre quem faz o transporte das cargas são brasileiros. “Já peguei uma quadrilha de árabes.”
MUDANÇA. Em reunião recente, os ministros Márcio França (Portos e Aeroportos) e Flávio Dino (Justiça e Segurança Pública) discutiram alternativas para reforçar a segurança no fluxo de bagagens dos aeroportos internacionais do Brasil. “Uma das propostas é que os concessionários dos aeroportos façam uso de um mecanismo único de registro e identificação de malas, por meio de registro fotográfico, que remeteria a imagem ao telefone celular do passageiro, antes mesmo do embarque dos volumes no bagageiro do avião”, disse, em nota, o Ministério dos Portos e Aeroportos.
Entidade que reúne aeroportos brasileiros, a ABR afirmou, também em nota, que a segurança dos terminais aeroportuários é tratada pela área de segurança das concessionárias, em contato direto com autoridades aeroportuárias e órgãos de segurança. Em nota, a GRU Airport, concessionária que administra Cumbica, informou que contribui com informações aos órgãos policiais, além de se reunir com as autoridades para discutir melhorias nos protocolos de segurança após incidentes.
As informações são do jornal O Estado de S.Paulo