Uma das principais referências mundiais em estudo sobre corrupção, a professora emérita de Direito e Ciência Política da Universidade Yale Susan Rose-Ackerman afirmou ter se decepcionado com a Lava Jato quando soube da relação entre o então juiz Sérgio Moro e procuradores da República. Apesar disso, disse esperar que erros cometidos não atrapalhem o combate à corrupção no País. Para ela, o encerramento da Lava Jato não significa o fim de investigações sobre malfeitos.
Susan já foi elogiada por integrantes da força-tarefa, como o procurador Deltan Dallagnol, ex-coordenador do grupo em Curitiba. Ao Estadão, ela disse ainda que considerou a decisão sobre as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acertada, mas tardia, e que o País não pode depender da Justiça criminal para resolver a corrupção.
<b>Qual é o efeito das recentes decisões do STF para a Lava Jato e o combate à corrupção?</b>
Houve problemas com processos movidos contra Lula. Pelo que entendi, não pertenciam à Lava Jato e deveriam ter sido julgados em tribunais diferentes. A decisão soou como correta. Claro que há muitos outros casos tratados de forma perfeitamente apropriada sob o guarda-chuva da Lava Jato e é importante que eles não sejam prejudicados por essa decisão particular. Então, na minha opinião, veio um pouco tarde demais, vários anos depois, mas me parece que foi uma decisão correta.
<b>No livro Corruption and the Lava Jato scandal in the Latin America, a sra. e a professora Raquel de Mattos Pimenta afirmam que contar apenas com o Direito Penal para reformar a fragilidade estrutural da democracia brasileira é insuficiente. O que vê como incentivos à corrupção além do que a Justiça pode resolver?</b>
Se parte das razões de origem para a corrupção não são apenas pessoas sem escrúpulos, mas algo na natureza de como o Estado interage com empresas e indivíduos, então a reforma precisa ser mais do que apenas o Direito Penal. É preciso tornar o sistema de licitações menos vulnerável à corrupção. Pensar na pressão sobre os funcionários públicos para arrecadarem dinheiro para os partidos políticos. É preciso uma análise mais profunda de como diferentes setores da economia funcionam e o que cria incentivos à corrupção. Os responsáveis pela Lava Jato estavam interessados em reformas, mas a proposta deles tinha a ver com deficiências no funcionamento do sistema de Justiça criminal. Algumas faziam sentido, mas eles estavam simplesmente dizendo: nossas reformas ajudarão os promotores a tocar os casos de forma mais eficaz. Isso é bom, mas não é suficiente se houver problemas estruturais mais profundos.
<b>Como equilibrar as diferentes percepções sobre as instituições a partir da operação?</b>
São tensões. Eu fiquei muito desapontada com as coisas que surgiram sobre a relação entre o juiz (Moro) e os procuradores que certamente parecem inadequadas. É muito decepcionante. A esperança é que isso não prejudique toda a ideia de ir contra corruptos, porque há pessoas que estão realmente envolvidas em corrupção. A Lava Jato certamente estava comprometida com a redução do nível de corrupção na sociedade, mas acho que cometeu alguns erros na forma de operar. Isso é uma preocupação. A questão é: há uma maneira de a sociedade civil criticar as instituições existentes, mas também apontar como as coisas podem mudar para melhor? E é disso que eu estava falando, mais reformas estruturais nas relações entre os cidadãos e o Estado, para reduzir os incentivos à corrupção. Não deixar que erros cometidos por indivíduos lancem tantas dúvidas sobre as tentativas de resolver o problema.
<b>Que efeito a ida de Moro para o governo Bolsonaro teve para a imagem da operação?</b>
Fiquei extremamente surpresa quando isso aconteceu. A Lava Jato foi criticada por ter uma espécie de viés político. E eu pensei que isso não era verdade. Ele ter ido trabalhar para Bolsonaro foi um tanto perturbador. No mínimo, tornou mais difícil defender toda a empreitada como apartidária.
<b>A sra. vislumbra retrocessos no combate à corrupção?</b>
É uma preocupação. Ainda existe um sistema de procuradores independentes, que é uma grande vantagem do sistema brasileiro. Então, acho que há uma certa responsabilidade sobre eles, de dizerem sim, houve erro no relacionamento entre Moro e alguns procuradores, mas isso não significa que o problema não esteja lá. E eles têm obrigação de continuar com investigações, já que são independentes.
<b>Muito se fala sobre o fim da Lava Jato. Era uma operação que não deveria terminar?</b>
Não. Há um conjunto de casos nos quais Moro tinha autoridade para ser o juiz. Mas você pode encerrar a Lava Jato e ainda haverá outros casos de corrupção que nada têm a ver com isso. É claro que a Lava Jato deveria acabar e agora, na verdade, acabou. Mas isso não significa que o Brasil ou o Ministério Público pararam de investigar a corrupção, ou parem de pensar nela como um problema que precisa de reforma.
<b>Qual o legado da Lava Jato?</b>
A ideia de investigar pessoas poderosas por atividades corruptas é algo que parece que o Brasil está disposto a fazer. E desde que seja feita de forma legal e justa, é bom.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>