O fisioterapeuta Nicanor dos Santos Modesto Junior, de 46 anos, denunciado pelo Ministério Público após ser acusado, em outubro de 2021, de violentar uma mulher grávida no Hospital e Maternidade Jesus, José e Maria, em Guarulhos, volta a ser acusado por estupro. Nicanor já havia sido condenado na Argentina a sete anos de prisão, em 2015, pela tentativa de assassinato de uma mulher e por abusar sexualmente de uma criança. Em 24 de janeiro deste ano, o caso ocorreu no Hospital São Luiz, no Jabaquara, em São Paulo.
Em outubro de 2021, de acordo com a denúncia divulgada pela TV Globo, Nicanor teria entrado no quarto da vítima – que estava grávida e em isolamento por suspeita de Covid-19 – sem constar na lista de profissionais permitidos para estarem no local. A vítima se queixou de gases quando o fisioterapeuta informou que ela teria que sentir prazer para que as dores passassem e colocou os dedos dentro da vagina da vítima. A mulher relatou o ocorrido para a chefe da enfermagem do hospital no mesmo dia. A profissional informou que um fisioterapeuta não poderia tocar as partes íntimas da paciente, e o hospital acionou a polícia.
Nicanor confirmou à polícia que entrou no quarto sem ser acionado e disse que realizou massagem abdominal na vítima. A Justiça marcou audiência de instrução e julgamento do caso para maio deste ano. Em nota, o hospital informou que “foi uma ocorrência lamentável e que atendemos imediatamente. Desligamos o referido profissional e acionamos a autoridade policial. A Maternidade Jesus, José e Maria repudia veementemente o ocorrido e toma todas as medidas preventivas para evitar fatos desta natureza. Em 20 anos de funcionamento não havíamos registrado nada parecido”.
Em São Paulo
A mulher que o acusa de estupro se recuperava de uma cirurgia na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do São Luiz. Ela conta que teve um pós-cirúrgico difícil e tinha a necessidade do acompanhamento de um fisioterapeuta. “No dia 18 de janeiro me apresentaram ele. No dia seguinte, ele apareceu no período da tarde para iniciar o tratamento. A partir daí eu comecei a notar uns comportamentos estranhos da parte dele. Ele sempre aparecia no quarto no horário do meu banho, como fisioterapeuta ele não podia me auxiliar nisso, mas, de qualquer forma, em um dos dias chegou a me despir na parte superior alegando que ia ajudar a encaixar os fios do eletro. Ele também sempre me perguntava sobre a minha vida pessoal, se eu namorava”, afirmou à reportagem da TV Globo.
“Em uma dessas conversas, ele disse: ‘Você é muito linda, se na UTI é linda assim, imagina lá fora, maquiada’. Me senti desconfortável com o comentário, mas tentei entender que ele estava querendo ser educado”, relatou. Ela teve mais um contato com o fisioterapeuta no dia 22, e o atendimento foi normal.
Segundo a vítima, em cerca de 20 dias de internação, ela sempre esteve acompanhada pela mãe, mas, em 23 de janeiro, Nicanor entrou no quarto dela enquanto estava sozinha. “Ele me deu bom dia, disse que soube da minha cãibra e que iria me auxiliar para a dor passar. Ele começou massageando minha perna direita iniciando pelos pés. Até que ele pediu para que eu relaxasse e começou a subir a mão até a minha virilha, eu não estava entendendo por que ele estava fazendo isso, e então ele falou: ‘Vou colocar os dedos dentro de você para soltar a musculatura da sua vagina e liberar a tensão’. Fiquei em estado de choque, não conseguia reagir àquela situação e então ele o fez: introduziu os dedos e começou a ‘massagear’. Até que ele parou e disse que voltava mais tarde”, afirmou.
“Assim que ele saiu me veio um sentimento de angústia, de chegar a me questionar se aquilo era certo ou não. Passei o dia me sentindo estranha, tive que tomar meu remédio para me acalmar”, conta. A mesma situação voltou a ocorrer na parte da tarde do mesmo dia. Nicanor teria ainda voltado ao quarto da vítima uma terceira vez, à noite. “Ele entrou no quarto, eu estava assustada e falei que não queria fazer fisio, e ele foi embora.”
A vítima relata que, em 24 de janeiro, conversou com uma outra fisioterapeuta, que também acompanhava seu tratamento, e relatou a situação questionando se a atitude de Nicanor era o procedimento correto. “Ela entrou em estado de choque e disse que ele não poderia fazer aquilo em hipótese alguma e que se eu tivesse algum problema clínico deveria ser passado ao ginecologista.”
A mãe da vítima conta que pediu para o segurança do hospital falar com o superior para que chamassem a polícia. “Passado algum tempo, os policiais chegaram, e eu relatei tudo o que aconteceu para o tenente e a policial feminina que estava para acompanhar e me ouvir. [Eu avisei que] tinha uma câmera dentro da UTI também, mas a direção do hospital disse para mim que o equipamento não gravava, só fazia o monitoramento”, conta a mãe da vítima. “A única coisa que eu desejo é que a justiça seja feita, para que esse homem não faça isso com outras mulheres.”
A 2ª Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) informou que “investiga um estupro contra uma mulher de 28 anos, ocorrido na segunda-feira (23) em um hospital, no Jabaquara, zona sul da Capital. O autor seria um fisioterapeuta da unidade, de 46. A mãe da vítima foi ouvida e foi solicitado exames periciais à vítima. Diligências são realizadas para esclarecer todas as circunstâncias do fato. Detalhes serão preservados por se tratar de crime sexual”.
Em nota, o Hospital São Luiz informou “que o profissional em questão foi afastado de suas atividades em 23/1, assim que a denúncia foi recebida. Esclarece que ele era funcionário de uma empresa de fisioterapia terceirizada e estava prestando serviços na unidade há cerca de um mês. A sindicância interna continua em andamento e a cooperação com as autoridades é total. Aproveita para esclarecer que, por questão de privacidade, imagens de leitos de pacientes não ficam gravadas, apenas as que registraram áreas comuns. O hospital repudia qualquer violência sexual”.
Tentativa de homicídio
Em maio de 2015, Nicanor foi condenado a sete anos de prisão em Buenos Aires pela tentativa de assassinato de uma mulher que teria o denunciando pelo abuso sexual da filha dela de 10 anos.
Segundo a decisão da Justiça argentina, o crime aconteceu em 18 de março de 2014. A vítima estava em casa quando Nicanor invadiu o local portando uma arma de choque e spray de pimenta, desferiu descargas elétricas na região do peitoral e da garganta da vítima repetidas vezes, gritando que iria matá-la.
A mulher foi jogada no chão, e as agressões continuaram. Nicanor chegou a morder a mão da vítima. O ataque só parou quando uma vizinha apareceu, após ouvir gritos da filha e da mulher.
Nicanor tentou, então, fugir pelas escadas do prédio, mas foi impedido pelo porteiro, que bloqueou a passagem e acionou a polícia, que fez a prisão em flagrante.
O ataque ocorreu cinco dias após a vítima denunciar Nicanor, pela segunda vez, pelo abuso sexual da filha dela, que na época tinha 10 anos. Os abusos teriam começando em fevereiro de 2014, a mãe questionou a criança sobre quantas vezes teria ocorrido, mas, segundo a Justiça, ela afirmou que “não se recordava, mas seriam muitas”.
Segundo a sentença, quando perguntada sobre o que tinha acontecido, a menina ficou angustiada e não sabia o que dizer, mas sentia que faziam “algo ruim” e contou que Nicanor a “tocava nas partes íntimas e com a mão” e a “beijava de língua na boca”.
Os abusos foram descobertos pela mãe depois que ela encontrou trocas de mensagens de conteúdo sexual entre o fisioterapeuta e a criança. No mesmo dia, em 12 de março de 2014, ela procurou uma delegacia para fazer a denúncia.
A criança é filha de pais separados e, na época, Nicanor morava com o pai da menina e com a atual companheira dele. A criança dormia na casa do pai quinzenalmente e era nessas ocasiões que ocorriam os abusos. Na sentença, a mãe da menina levanta a suspeita de que uma outra garota, filha da companheira do pai da vítima, também teria sido abusada sexualmente pelo fisioterapeuta.
Ne época, após a denúncia, um juiz concedeu uma medida protetiva para a mãe e a filha contra Nicanor e o pai da criança.
“Ontem, ele [Nicanor] veio e quis me matar, por isso, para mim é obvio que veio me matar por conta da denúncia que eu fiz, porque ele sabe que tenho provas, tenho as conversas dele com a minha filha”, afirmou, no depoimento, a mãe da criança.
À Justiça argentina, Nicanor não negou as acusações e afirmou que estava arrependido. Ele admitiu que tinha uma arma de choque e estava “nervoso e angustiado pela situação que estava enfrentando”.
Segundo a Justiça argentina, ele foi preso e depois recebeu liberdade condicional.