O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu neste sábado (23) suspender o julgamento do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) que ia definir qual instância tem competência para julgar o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) no caso do esquema das "rachadinhas" (apropriação de parte dos salários, pelos assessores parlamentares). O caso foi revelado pelo <i>Estadão</i>.
O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro previa a análise do caso para a próxima segunda-feira, 25. No processo, o filho do presidente Jair Bolsonaro é acusado de peculato, organização criminosa e lavagem de dinheiro enquanto era deputado estadual no Rio de Janeiro.
"Determino, com base no poder geral de cautela, até o julgamento de mérito da presente reclamação, que o Órgão Especial do TJRJ se abstenha de adotar qualquer ato judicial que possa reformar o decidido pela 3ª Câmara Criminal Tribunal do TJRJ, especificamente quanto à definição da competência do órgão judicante para processar e julgar o terceiro interessado", determinou Gilmar.
Ao acionar o Supremo, a defesa de Flávio Bolsonaro alegou que o próprio Supremo ainda precisa analisar ações que tratam do foro privilegiado do senador no caso. "Chama a atenção a estratégia adotada pelo MPRJ de utilizar vários remédios jurídicos para uma mesma finalidade, acionando múltiplas instâncias com o intuito de precipitar pronunciamento deste STF quanto à matéria de fundo", criticou Gilmar Mendes.
O Órgão Especial do TJ-RJ é formado por 25 desembargadores – os 13 mais antigos do tribunal e 12 eleitos pelo Tribunal Pleno para mandatos de dois anos – e fará no dia 25 sua primeira sessão de 2021. A pauta foi definida pelo presidente do TJ-RJ, desembargador Claudio de Mello Tavares. Os desembargadores iam decidir se o processo volta para a primeira instância ou continua no Órgão Especial.
Em 25 de junho de 2020, por dois votos a um, a 3ª Câmara Criminal do TJ-RJ acatou um habeas corpus apresentado pela defesa de Flávio Bolsonaro. Transferiu o processo, que tramitava na 27ª Vara Criminal do Rio, sob o comando do juiz Flávio Itabaiana, para o Órgão Especial. Assim, a prerrogativa de denunciar o filho do presidente também passou do Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (Gaecc) para o procurador-geral de Justiça, Eduardo Gussem.
O Gaecc investigava o caso desde março de 2019. O caso também saiu da alçada de Itabaiana, tido como um magistrado muito rigoroso.
<b>Mandatos cruzados</b>
Conforme informou o <i>Estadão</i>, a tese dos "mandatos cruzados", usada pela defesa de Flávio Bolsonaro para manter o foro privilegiado do senador no caso Queiroz, divide as duas Turmas do Supremo Tribunal Federal (STF) – cada uma delas é composta por cinco ministros.
Na Primeira Turma, considerada linha dura, foi rechaçado o entendimento de um político manter o foro privilegiado do cargo antigo após assumir um novo posto. Por outro lado, um precedente na Segunda Turma pode ajudar o filho do presidente da República a escapar da primeira instância. Os advogados de Flávio Bolsonaro querem evitar que o caso fique com o juiz Flávio Itabaiana, conhecido pela fama de "punitivista".
Embora a Corte já tenha restringido o foro privilegiado a políticos para os crimes cometidos no exercício do mandato e em função do cargo, os ministros ainda precisam definir o que internamente tem sido chamado de "pontas soltas" da decisão, tomada em 2018. Uma delas diz respeito à situação de parlamentar que deixa de ocupar o cargo e, na sequência, assume outro.
É a situação, por exemplo, dos deputados federais Gleisi Hoffmann (PT-PR) e Aécio Neves (PSDB-MG), que trocaram o Senado pela Câmara. Flávio Bolsonaro, por sua vez, emendou o cargo de deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) com o mandato de oito anos no Senado. As situações de Gleisi, Aécio e Flávio levantam a seguinte discussão: quando o suposto crime investigado diz respeito ao mandato anterior, o político que mudou de função pública segue tendo direito ao foro daquele cargo antigo?
Para o TJ-RJ, a resposta para a situação de Flávio é "sim", ao garantir foro privilegiado ao senador nas investigações do Caso Queiroz, que se debruçam sobre um suposto "esquema de rachadinhas" ocorrido no antigo gabinete do filho de Jair Bolsonaro na Alerj. Pela decisão da Justiça fluminense, Flávio será julgado pelo Órgão Especial do TJ, onde os deputados estaduais do Rio têm foro, ainda que o parlamentar não ocupe mais esse cargo.
Em resposta ao Supremo, o TJ do Rio alegou que a decisão que favoreceu Flávio Bolsonaro não é "absurda, inadequada, desrespeitosa ou ofensiva à jurisprudência consagrada do Supremo Tribunal Federal".