Com mais de 1,5 milhão de mortes por covid-19 no mundo e em meio a nova onda de contágio, países se apressam para começar a vacinação em massa antes do final de um ano marcado por perdas e restrições. EUA e Canadá se juntaram ao Reino Unido nesta semana e entram no grupo de países a começar a imunização ainda em 2020.
A Rússia começou a vacinação em 5 de dezembro, mas sem concluir os testes com a Sputnik V. Na China, também há vacinas em uso emergencial, apesar de os testes não terem sido finalizados. Os britânicos foram, portanto, os primeiros a iniciar o amplo programa de vacinação com um imunizante que teve segurança e eficácia testados em larga escala. Com o sinal verde dado à vacina da Pfizer-BioNTech, os EUA estão prontos para começar a vacinação nos primeiros dias desta semana e prometem imunizar 20 milhões até 31 de dezembro.
Os americanos farão o maior teste de logística e distribuição da vacina. "Existem bons planos de logística, mas eles não foram testados na prática", disse Joshua Petrie, professor do Departamento de Epidemiologia da Universidade de Saúde Pública de Michigan. "Tem sido um desafio fazer com que a população use máscaras em público. Então, também haverá desafios em termos de absorção da vacina em algumas comunidades."
Em novembro, 60% dos americanos disseram que tomariam a vacina, em pesquisa do instituto Pew Research. O número é maior do que o registrado em outubro, quando 51% deram a mesma resposta. O preocupante, porém, é que 4 em cada 10 americanos ainda dizem que não pretendem se vacinar.
Para conquistar a confiança da população, o epidemiologista Anthony Fauci, que se tornou a cara do combate à pandemia nos EUA, deve ser vacinado em público. Os ex-presidentes George W. Bush, Bill Clinton e Barack Obama se ofereceram para fazer o mesmo.
Na América Latina, México e Argentina também prometem começar a vacinação neste mês. Vários países europeus, como Bélgica, Grécia, Holanda e Alemanha planejam a vacinação para os primeiros dias de janeiro, assim como a Índia.
Os países ricos largaram na frente. A Aliança da Vacina do Povo, coalizão de seis organizações internacionais, como a Oxfam e a UNAids, informou que os países ricos compraram doses o suficiente para imunizar toda sua população três vezes até dezembro de 2021, se todos os estudos clínicos em realização forem bem sucedidos. Países que representam 14% da população mundial compraram o equivalente a 53% das vacinas mais promissoras, ainda segundo o grupo.
Só o Canadá se comprometeu com a compra de doses suficientes para vacinar cinco vezes sua população. Enquanto isso, 9 em cada 10 pessoas em 67 países pobres não serão vacinadas até o fim de 2021. "Não é uma surpresa que as nações ricas busquem vacinar suas populações primeiro", afirma Ian Bremmer, fundador da consultoria Eurasia Group.
<b>Desigualdade</b>
A esperança, segundo ele, está no Covax Facility, o consórcio internacional que busca acelerar o desenvolvimento de vacinas contra covid-19 e viabilizar uma distribuição equitativa. "Imagino que Joe Biden colocará os EUA nas iniciativas da Covax, o que será positivo, mas ainda assim os países em desenvolvimento vão demorar mais para fazer a vacinação", afirma.
Dois meses depois da declaração do surto de coronavírus como pandemia mundial pela OMS, o governo Trump criou um grupo de trabalho que reúne integrantes de nove agências e departamentos em parceria com o setor privado para acelerar a compra, desenvolvimento e planejamento de aplicação das vacinas.
Em maio, os EUA assinaram um contrato para garantir 300 milhões de doses desenvolvidas pela AstraZeneca. Em julho, o país assegurou uma compra de US$ 2 bilhões para obter 100 milhões de doses da vacina da Pfizer-BioNTech.
Em agosto, foi feita mais uma compra de 100 milhões de doses da Moderna, suplementada na sexta-feira por mais um compromisso de igual volume para 2021. Com isso, os EUA garantiram acesso a 600 milhões de doses. Só as vacinas da Moderna e da Pfizer, no entanto, estão com estudos concluídos e pedido de autorização de uso formalizado.
Trump não quis se unir à aliança internacional Covax, criticou a OMS e retirou os EUA do órgão. Nesta semana, assinou uma ordem executiva para priorizar a vacinação de americanos antes da exportação de vacinas – apesar de autoridades não conseguirem explicar qual será o efeito prático disso.
Já Biden prometeu recolocar os EUA nos fóruns multilaterais e discutir uma resposta global à pandemia, mas o tamanho da crise doméstica e os desafios de logística e distribuição da vacina devem dominar sua agenda após a posse, em 20 de janeiro.
"A corrida pela vacina se tornou mais do que apenas uma questão de saúde pública. Tornou-se um jogo de poder, influência, prestígio, status, o que os países conseguem demonstrar de inovação tecnológica", afirma David Fidler, especialista em saúde do Council of Foreign Relations. "O estranho é que nessa competição geopolítica são China e Rússia que têm tentado fazer a diplomacia da vacina, colocando à disposição suas vacinas para outros países, enquanto os EUA estão à margem."
Em meio à disputa de influência, China e EUA desenvolvem seus planos de imunização sem cooperação. Para exportar ao mundo, afirma Ian Bremmer, a China deve sair na frente não apenas pela disposição, diferente da de Trump, como pela tecnologia desenvolvida.
"A vacina chinesa é mais fácil de exportar e usar. Então, ainda que haja a mesma quantidade de vacinas nos EUA e na China, a chinesa será mais útil em países de baixa renda. Além disso, os chineses não têm a mesma necessidade de vacinação imediata no país, como os EUA têm. A China tem poucos casos de covid-19, enquanto os EUA têm 200 mil novos casos por dia", afirma Bremmer. "Além disso, a China consegue produzir e exportar ao mesmo tempo, enquanto os EUA precisam vacinar toda a população. E ainda há um receio sobre a duração da imunidade. Se ela durar pouco, os EUA vão querer estocar, em vez de exportar." As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>