Com menos petróleo russo no mercado e um embargo ao produto que deve começar na segunda-feira, governos autoritários produtores de petróleo são recebidos com cordialidade por países dependentes.
O governo da Venezuela fez questão de divulgar em suas redes sociais uma imagem da COP-27 em que Nicolás Maduro é recebido calorosamente pelo presidente francês, Emmanuel Macron. O gesto chamou atenção porque, em 2019, a França rechaçou Maduro e reconheceu Juan Guaidó como líder da Venezuela.
Mas, agora, em meio a uma crise de energia que ameaça a Europa em razão da guerra na Ucrânia, gestos amistosos com líderes autoritários como Maduro e Mohammed Bin Salman, da Arábia Saudita, voltaram à cena, já que ambos possuem uma commodity valiosa: petróleo.
Na segunda-feira, a União Europeia dá o primeiro passo para embargar o petróleo da Rússia em retaliação à invasão da Ucrânia, em 24 de fevereiro. A sanção promete afetar o mundo todo, já que Moscou é um grande exportador da commodity.
Em busca de alternativas para evitar um colapso energético e econômico, o Ocidente se volta para as chamadas petroditaduras – Estados autoritários detentores de grandes reservas de petróleo – mesmo após ter prometido transformá-los em párias.
<b>Sanções</b>
No movimento mais recente, o governo de Joe Biden aliviou as sanções contra a Venezuela ao conceder uma autorização para que a gigante americana de energia Chevron opere com a PDVSA, embora com ressalvas. Uma medida que foi comemorada por Maduro e criticada por republicanos.
"Não é necessariamente um renascimento dos petro-Estados com governos autoritários, é que os países ocidentais decidiram que seus interesses terão prioridade, pois todo o foco está na Rússia e na Europa Oriental", explica à reportagem Justin Dargin, especialista em energia do Oriente Médio no Carnegie Endowment for International Peace. "Este não é um fenômeno novo: os países ocidentais, ao longo do século 20, ignoraram certas tendências autoritárias de seus parceiros se a conveniência política o exigisse."
<b>Avanços</b>
Os EUA negam que a recente reaproximação com a Venezuela seja em decorrência da crise energética, mas sim um reflexo "de sua política que visa um levantamento das sanções sujeito a progressos concretos que permitirão apoiar o retorno da democracia à Venezuela". A autorização parcial ocorreu no dia 26, depois que governo e oposição na Venezuela avançaram em suas negociações no México.
"Toda essa reaproximação com a Venezuela já vinha realmente de tempos anteriores, mas foi acelerada no contexto da guerra da Rússia contra Ucrânia", afirma o professor de Relações Internacionais da FGV Vinicius Vieira. "Os EUA querem manter os preços do petróleo a níveis no mínimo razoáveis para manter a estabilidade no mercado, que é algo essencial tanto pra fins geopolíticos quanto para a própria política doméstica por conta da dependência americana do petróleo."
<b>Petróleo russo</b>
Além de ser a maior fornecedora de gás natural para a Europa – que já teve suas torneiras fechadas quase completamente nos últimos meses – a Rússia também é a maior fornecedora de petróleo bruto para o continente.
A commodity representa dois terços das importações de energia da UE, seguida pelo gás (27%). Em 2021, quase três quartos das importações de petróleo bruto do bloco saíram da Rússia (25,9%), Noruega (9,1%), EUA (8,4%) e outros, segundo a Comissão Europeia.
Já no segundo trimestre de 2022, após o início da guerra na Ucrânia, as importações de petróleo russo foram de 16,7%, uma redução de 8,3 pontos porcentuais do mesmo período de 2021.
O bloco recorre a outros parceiros, com aumento de importações de EUA, Angola, Arábia Saudita, Brasil e Reino Unido. Mas ainda muito longe de compensar a perda russa.
Já os EUA são menos dependentes do petróleo russo. Segundo dados da Energy Information Administration, apenas 7,9% do petróleo bruto importado pelo país veio da Rússia, e mais de 50% do Canadá.
Após ter prometido, quando era candidato presidencial, tornar o príncipe herdeiro da Arábia Saudita em pária internacional pelo envolvimento no assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, Biden foi obrigado a baixar o tom contra o parceiro energético.
<b>Embargo</b>
Proibir totalmente o petróleo russo era uma opção inviável, tanto pela dependência dos país quanto pelo risco de uma recessão global. A alternativa da UE, juntamente com G-7 e Austrália, foi proibir o transporte marítimo para a Europa além da imposição de um teto de US$ 60 (R$ 313) por barril para que bancos, seguradoras e empresas trabalhem com o petróleo russo.
A intenção é reduzir o lucro da Rússia que flui para a guerra sem afetar tão bruscamente o mercado global.
Em resposta, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse no sábado que o governo analisa a medida, mas não aceita o limite de preços.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>