Yaci, Iagoara e Inha são os nomes indígenas de três jovens do Alto Rio Negro, no Amazonas, das tribos Kambeba e Karapanã, que participam das seletivas olímpicas de tiro com arco. Ele deixaram de lado o arco nativo e o trocaram pelo olímpico há dois anos e vêm colhendo frutos impressionantes. Se tudo der certo, podem ser os primeiros brasileiros indígenas numa Olimpíada.
A habilidade na floresta é inegável. Conseguem caçar, pescar e acertar alvos com o material de 500 gramas. Mas a transição para o equipamento profissional, que chega a pesar cinco quilos, não foi simples. De qualquer forma, os três estão entre um grupo de 20 atletas, metade no masculino e metade no feminino, que disputam quatro vagas na equipe brasileira (sendo um suplente).
Yaci, ou Graziela Santos, de 20 anos, tem chance porque no feminino a disputa é mais nivelada. Já Iagoara, o Drean Braga da Silva, de 19 anos, busca um lugar entre os rapazes para ver de perto uma coisa que ele nunca soube que existia: a Olimpíada. A entrada no projeto social da Fundação Amazonas Sustentável mudou a vida deles.
“Para mim foi bem rápido, minha vida mudou totalmente. Antes só iria estudar, agora sou atleta de tiro com arco e estou concorrendo a uma vaga olímpica. Estou muito feliz. Não imaginava que poderia acontecer isso, nem sonhava com isso”, conta Yaci, cujo nome significa lua. Ela lembra que na aldeia que vive sua família o arco é feito de maneira simples e artesanal, com uma vara feita com madeira de Bacabeira e a corda feita com tucum. Outros materiais também são utilizados na fabricação. “Já levei o arco olímpico para lá e chama muita atenção. Falam que é bonito, ficam surpresos”, diz.
Tanto ela quanto Iagoara têm como ponto forte a força nos braços e a concentração. Essas duas características são fundamentais para o sucesso no tiro com arco. “A família dá apoio, é uma oportunidade única para nós. O arco e flecha veio dos nativos, e nós somos nativos”, afirma o rapaz.
Iagoara significa cachorro. O garoto tem orgulho disso. “Meu avô me deu esse nome, porque eu gostava de andar no mato e sair sozinho”, revela, lembrando que antes do projeto social nem sabia o que era Olimpíada. “Fui saber depois que fui selecionado pelo projeto, aí passaram alguns vídeos dos Jogos Olímpicos. Meu sonho é ir. Quero estar presente competindo.”
O indígena também teve sua vida transformada pelo sonho olímpico. Ele conta que na aldeia tinha um ambiente mais calmo, sem tanto agito. “Eu pescava bastante, quando dava sorte pegava muito, quando não tinha pegava pouquinho. Aí veio o convite do projeto e agora já tenho conhecimento de como é fora da aldeia. Nunca imaginei que me tornaria atleta e teria a chance de conhecer o mundo.”
O rapaz costuma ir para as competições com adereços que remetem às suas origens. Usa colar, pulseiras e já chegou até a pintar o rosto em algumas ocasiões. “Sempre gostei de usar coisas indígenas, tenho de demonstrar o que eu sou, de onde eu vim”, conta, mostrando a pulseira feita por sua mãe, com fios extraídos de uma palmeira. “Foi ela quem teceu.”
Inha, ou Nelson Silva, também faz parte do grupo que tenta uma vaga olímpica. É o mais jovem, com 16 anos, e é apontado como um grande talento. Também é mais calado que os companheiros e já chegou a pensar em desistir de ser atleta, mas foi convencido de que poderia ir longe. Para Iagoara, é uma grande oportunidade. “Somos os primeiros indígenas, estamos entre os dez melhores do Brasil na seletiva, e estamos presentes mesmo com pouco tempo de treinamento em tiro com arco se comparado aos outros atletas”, lembra o arqueiro.
DIFERENCIAL – Aníbal Forte, técnico da Fundação Amazonas Sustentável, acompanha os indígenas para todos os lugares, a fim de ajudar na adaptação ao mundo novo que se abre. E desde o início ele ficou impressionado com os atletas. “Um fator fundamental nessa caminhada deles é o fato de eles serem adolescentes e jovens com uma força física muito grande”, elogia.
Ele conta que os indígenas conseguiram desde o início do projeto treinar quatro horas por dia, o que é quase impossível para outras pessoas, principalmente as que vivem em áreas urbanas. “Alunos que tenho em Manaus treinam uma hora e meia, duas vezes por semana, e já ficam relativamente cansados. Essa resistência física natural que eles têm, talvez em função da própria experiência de viver na natureza, correndo e saltando, deve ter dado uma força maior para suportar um treinamento intensivo. Hoje eles praticam de sete a oito horas, que é o treinamento de atletas de seleção brasileira”, compara.
Para Aníbal, as chances de termos o primeiro indígena brasileira numa Olimpíada existem e são reais. “Os resultados deles têm sido muito bons e acho que, no feminino, a gente tem condições de obter uma vaga. No masculino a disputa é mais acirrada, o nível dos atletas é alto, mas tenho grande esperança.”
PRESIDENTE DA CBTARCO QUER INDÍGENA NOS JOGOS – O sonho de Vicente Fernando Blumenschein, presidente da CBTArco (Confederação Brasileira de Tiro com Arco), é ter atletas indígenas defendendo o Brasil nos Jogos Olímpicos. Ele sabe que na seletiva tudo pode acontecer, mas acha que o objetivo será alcançado em breve.
“Um dia vamos ter um atleta indígena. As chances são reais, mas a possibilidade maior é para os Jogos de 2020. Claro que se fosse agora não seria surpresa. Acredito que eles tenham entre 30% e 40% de chance”, explica.
A australiana Cathy Freeman, ouro nos Jogos de Sydney, em 2000, serviu de inspiração para o projeto Arqueria Indígena, da Fundação Amazonas Sustentável (FAS). A atleta, aborígine, foi ouro nos 400 metros. “Ela uniu o país na final e foi campeã olímpica”, conta Aníbal Forte, técnico da FAS.
Na primeira seletiva, em São Paulo, os atletas indígenas não foram bem. Mas restam ainda mais três etapas e um resultado será descartado. Dificilmente atletas como Marcus Vinicius DAlmeida, melhor arqueiro do País, e Bernardo Oliveira, em grande fase, vão ficar fora dos Jogos do Rio.
A seletiva da CBTArco dá aos dois mais bem colocados no masculino e feminino a vaga olímpica, mas as outras duas, sendo uma para suplente, serão definidas pela comissão técnica. “Fizemos isso para evitar que, caso um atleta muito bom se machuque e perca a seletiva, mesmo assim ele não estará necessariamente fora”, diz Vicente.
O dirigente conta que, até em uma reunião de trabalho do Comitê Olímpico do Brasil (COB) com outros presidentes de confederações, falou sobre o fato de o País poder ter o primeiro atleta indígena. A expectativa pela possibilidade é grande.
“Gostaria de ter indígena e negro na seleção, mas não é marketing, pois meu marketing é melhor se conseguir uma medalha nos Jogos do Rio. É questão técnica. Eles são talentosos. Se não fossem, não estariam ali”, avisa Vicente, lembrando que a CBTArco já está espalhando a ideia. “Vamos incentivar outros estados, como Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, a buscar atletas indígenas. Vem mais por aí”, promete.