O risco de descontrole da inflação é o calcanhar de aquiles do presidente Jair Bolsonaro. Cobrado nas redes sociais pela alta da inflação, com vídeos que intitulam o movimento de alta dos preços como "Bolsocaro", o presidente já reclamou em público diversas vezes do reajuste dos preços da carne, do arroz, do gás de cozinha e dos combustíveis.
Bolsonaro sente o termômetro da população e sobe o tom de cobranças à equipe econômica, nas lives de todas as quintas-feiras, e nos encontros frequentes com simpatizantes na porta da sua residência oficial, o Palácio da Alvorada.
Bolsonaro tem demonstrado cada vez mais desconforto com a combinação perversa de preços altos e desemprego, que retira o poder de compra da população e a popularidade de qualquer presidente da República.
A antecipação da corrida eleitoral pelo fator Lula, após a decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), que anulou as condenações do ex-presidente, amplificou o risco de o presidente adotar medidas populistas para segurar os preços e aumentar os gastos públicos para garantir a sua reeleição no ano que vem.
Esse temor ganhou fôlego depois que, nas últimas semanas, o presidente ameaçou intervir na Petrobrás e Eletrobrás (empresas do governo responsáveis por importantes insumos para a produção), isentou o preço dos combustíveis e patrocinou uma manobra para retirar o programa Bolsa Família do teto de gastos, a regra que limita o crescimento das despesas à variação da inflação.
A consequência desses movimentos foi mais alta do dólar, que se aproximou de R$ 6 na votação da semana passada da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do auxílio emergencial, ingrediente adicional a retroalimentar a inflação. "Com certeza, o Banco Central vai começar a aumentar os juros e as autoridades nunca gostam disso", diz o economista José Roberto Mendonça de Barros, sócio da consultoria MB Associados e colunista do Estadão. Para ele, esse será o teste do "pudim" da política populista do presidente. "Não estou otimista. A tentação populista é enorme", prevê o economista.
<b>Ambiente</b>
Mendonça de Barros chama atenção para um fator que acrescenta mais um complicador: a população já se acostumou a viver com inflação baixa. Existe hoje uma geração inteira que não tem ideia do que seja viver num ambiente econômico de inflação alta. Brasileiros que nem sabem o que é isso.
Essa população não aceitaria a volta da inflação de forma mais sistemática e está incomodada com a pancada de aumento de preços em plena pandemia da covid-19, que derruba o crescimento e tira emprego dos brasileiros. O ex-secretário lembra que a ex-presidente Dilma Rousseff perdeu espaço e apoio político por conta da inflação.
A percepção do time de Paulo Guedes é que o ciclo de alta das commodities (produtos básicos como petróleo, grãos e minério de ferro) no mercado internacional tem potencial de "afundar" a taxa de câmbio, mas que o movimento na direção contrária – de alta do dólar que ocorreu -, é resultado do próprio governo tropeçando nos seus próprios passos.
A avaliação é de que, se não fossem esses atropelos, a cotação do dólar deveria estar mais próxima de R$ 4,80.
Para o economista Armando Castellar, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas, o populismo aumenta a incerteza. "O episódio da Petrobrás assusta porque deixa dúvida sobre se pode se repetir (para o lado do BC) quando começar o aperto monetário (alta dos juros básicos) que hoje em dia se faz necessário pela piora das perspectivas da inflação", diz. Castellar avalia que esse ponto será mais sensível quando a inflação em 12 meses bater em 7% logo mais à frente. Apesar de aprovada a autonomia, Bolsonaro ainda tem de validar a renovação da diretoria do BC.
<b>Baixa histórica</b>
Depois de sete meses com a taxa básica de juros brasileira no menor nível da história, o Banco Central deverá tomar nesta semana uma decisão que não adota desde 2015: aumentar a Selic. Apesar da segunda onda da pandemia de covid-19 sinalizar ainda tempos difíceis para a economia e o crédito, a subida dos preços de alimentos e combustíveis pressiona o Comitê de Política Monetária (Copom) a começar um novo ciclo de aperto financeiro.
É preciso voltar a julho de 2015, ainda no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, para encontrar a última vez que a autoridade monetária elevou os juros. Na ocasião, o Copom liderado por Alexandre Tombini elevou a Selic em 0,50 ponto porcentual, levando a taxa para 14,25% ao ano. Na época, o balanço de riscos do BC contava com problemas semelhantes aos de 2021, com inflação em alta, real desvalorizado e fraca atividade econômica.
Quando a pandemia de covid-19 chegou ao Brasil no ano passado, o BC foi forçado a acelerar a redução da Selic, que já vinha ocorrendo nos últimos anos em um ambiente de inflação controlada e retomada gradual da economia. Entre fevereiro e agosto de 2020, os cortes sucessivos do Copom baixaram a Selic de 4,5% para 2% ao ano – onde ficou estacionada até agora.
<b>Apostas</b>
O problema é que agora o BC se depara com um aumento contínuo da inflação, puxada pelos alimentos e pelos combustíveis. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fechou fevereiro com alta de 0,86% e já acumula um crescimento de 5,2% nos últimos 12 meses.
Nesse cenário, apesar da segunda onda da pandemia de covid-19 e das medidas de lockdown tomadas por diversos governos estaduais apontarem para uma nova retração da economia nos meses à frente, o mercado aposta em uma alta consistente nos juros nesta semana. O Copom se reúne amanhã e quarta-feira.
Das 54 instituições do mercado consultadas pelo Projeções Broadcast, 52 esperam aumento dos juros básicos nesta reunião, sendo que 48 acreditam que a taxa suba de 2% para 2,5% ao ano, três veem alta de 0,25 ponto e uma espera aperto mais intenso, de 0,75 ponto. Para o fim de 2021, a maioria das apostas é de 4,5%, com expectativas indo de 3% a 6%.
Na comunicação da última reunião do Copom, em janeiro, o colegiado já havia deixado a porta aberta para a retomada de um ciclo de alta de juros. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>