O avanço do novo coronavírus obrigou Fernando de Noronha a voltar no tempo. Com o turismo suspenso e comércios fechados, o dinheiro parou de circular, as praias ficaram vazias e parte da população decidiu deixar a ilha que já confirma 14 diagnósticos da covid-19. Entre os moradores, há até quem incentive a prática de escambo na vizinhança para superar a crise. Por falta de UTI no arquipélago, a administração local também está preparada para transferir pacientes graves de avião.
Em Noronha, a rotina começou a virar do avesso após o fechamento do aeroporto, única porta de entrada para turistas, no dia 21 de março. "Isso fez com que a gente cessasse praticamente toda a economia, tanto na área privada quanto pública, tendo em vista que, da nossa arrecadação, 95% vêm das atividades turísticas", diz o administrador geral do arquipélago, Guilherme Rocha.
Na ocasião, 2.593 visitantes tiveram de voltar para casa. Hotéis, pousadas e restaurantes suspenderam a atividade ou tentam se manter por delivery. Sem movimento, parte dos moradores preferiu passar a quarentena com a família no continente – em voos, por enquanto, sem previsão de volta. Em questão de dias, Noronha viu o número de pessoas despencar de 7,2 mil, considerando a população flutuante, para menos da metade: 3,5 mil, segundo estimativa local. Em contrapartida, os casos de coronavírus saltaram – mas sem nenhum quadro grave ou morte – são 14 diagnósticos. Os pacientes são mantidos em casa, acompanhados por equipes de saúde. Em Pernambuco, o governo já considera que a doença está entrando em "aceleração descontrolada".
Distante 541 quilômetros do Recife, o arquipélago não tem hospital de alta complexidade ou UTI. "A gente tem um hospital com 12 leitos bem equipados e duas salas vermelhas, semi-intensivas, com respiradores", diz Rocha. Para quadros graves, o paciente teria de ser levado de avião para a capital.
O resgate por avião em Noronha já é usado em ocorrências graves, como acidentes. Atualmente, há duas aeronaves contratadas para prestar o serviço e o tempo de espera pode chegar a 12 horas, por causa de limitações para pousar na ilha à noite.
<b>Fiscais de furões</b>
Com ordem de fechamento das praias, viaturas da Polícia Militar fazem patrulhas pelas ruas para fiscalizar quem desrespeita os bloqueios. Carros de som também circulam para orientar sobre o isolamento social – medidas que recebem apoio de quem optou por permanecer na ilha. Em grupos de WhatsApp, remanescentes têm se organizado até para filmar os "furões" e denunciar aos órgãos públicos.
"A população está bem atuante em divulgar pessoas que estão circulando", diz a empresária Janaina Ferreira, de 42 anos, proprietária da Pousada Fortaleza. Antes da suspensão dos voos, moradores que desembarcassem na ilha, mesmo sem sintoma da covid-19, tinham de passar sete dias em quarentena. Já quem apresentasse qualquer sinal de gripe ficava isolado por duas semanas.
Segundo moradores, a principal angústia é saber quando o turismo poderá ser reaberto. "Estou fazendo projeção de gastos até dezembro porque não sabemos quando a engrenagem, de fato, vai voltar", relata Janaina. O administrador geral afirma que não há previsão.
A empresária Adriana Flor, de 48 anos, proprietária da Pousada Mar Aberto, conta que até a prática de escambo, como uma forma de enfrentar a crise, voltou entre moradores. "Se hoje tirei um cacho de banana e o vizinho pescou, a gente troca", relata. "É uma volta ao que acontecia lá atrás, quando Noronha era um presídio. A diferença é que agora, por causa da internet, a gente consegue diminuir a sensação de isolamento." Sozinha na pousada (as duas filhas ficaram no Recife), ela tenta manter a rotina dos dias normais.
Pela preocupação com a saúde mental dos moradores, a administração divulgou o telefone de três psicólogas contratadas para fazer atendimento remoto. Adriana não precisou recorrer ao serviço. "Nesses dias, a natureza está dando uma explosão de vida incrível. É aquele pôr do sol que você diz: Meu Deus, obrigado por tudo. No fim das contas é um privilégio ficar isolada aqui." As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>