Variedades

‘Jogos de Cartas’ conecta as diversas artes dramáticas

Robert Lepage diverte-se quando é comparado ao cineasta Federico Fellini por sua habilidade em criar ilusionismo com um extravagante senso visual a partir da comunhão entre o hermético e o mundano. “Talvez porque, como ele, sinto que meu trabalho é tão revelador sobre quem sou e o que busco entender sobre mim mesmo.”

É justamente isso o motivador do trabalho de Lepage que, por extensão, busca compreender o mundo. Em Espadas, a ação faz um paralelo entre duas cidades construídas no deserto, Las Vegas e Bagdá. A primeira, por conta de sua arquitetura fake, desponta como uma caricatura do mundo ocidental, enquanto Bagdá é a capital bombardeada pelo governo americano em nome da democracia. “É esse jogo de aparências que marca o espetáculo”, conta Lepage. “Durante um fim de semana, diversos personagens se refugiam na cidade americana em busca de ilusões, mesmo que outra cidade no outro lado do mundo esteja sendo bombardeada.”

Já Copas amarra Argélia, França, a cidade canadense de Quebec e a Primavera Árabe, em dois tempos, 2011 e 1856. Na época mais recente, surge Chaffik, jovem magrebino que trabalha como motorista de táxi no Canadá e que decide investigar sua árvore genealógica para desvendar o mistério do desaparecimento do avô.

Logo, ele descobre uma conexão com o famoso mágico francês Houdini que, em 1856, foi enviado pelo governo do seu país à Argélia, para rivalizar com o poder espiritual e mágico dos marabutos (eremita considerado santo por habitantes da região noroeste da África). “A relação entre eles em pouco tempo torna-se visível, não apenas por questão familiar, mas também por magia, crenças e fé”, argumenta Lepage.

As fronteiras do tempo se esfumaçam e a Argélia colonial e suas ruelas se confundem com o mundo dos mágicos franceses (Robert-Houdin, Méliès), e de suas ligações com a ciência e o cinema. “Para esses espetáculos, adoto o formato arena, com o público cercando o palco como em um ringue de boxe”, diz o diretor.
“Além de permitir que o espectador se sinta dentro da cena, há uma verticalidade que, metaforicamente, pensemos no céu e no inferno. Também o ator é obrigado a ter um maior domínio de espaço, pois sempre estará cercado de público, e a saber utilizar a voz com precisão.”

No comando de um grande número de técnicos e atores, Lepage diverte-se ao se ver no meio de um caos organizado. “Sei que é um paradoxo, mas o caos é o início de tudo”, justifica. “Quando começo o processo, não sei para onde vamos, mas sei que será um caminho louco.”

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