Quando a lama de rejeitos de minério da Samarco chegou ao mar do Espírito Santo após viajar pelo Rio Doce destruindo boa parte da vida que encontrava pela frente, no fim de novembro, um dos temores era de que ela atingiria as tartarugas marinhas que ali estavam em pleno processo de desova.
A expectativa era de que as fêmeas pudessem mudar seu comportamento ou, pior, que pudessem encalhar com a lama e até mesmo morrer. Análise feita pela Fundação Pró-Tamar, com apoio da Fundação Boticário, concluiu que nada disso ocorreu. Mas o que por um lado pode ser uma boa notícia, por outro pode também trazer um risco para as espécies, afinal elas continuaram seguindo em direção ao local por onde a lama estava se espalhando.
Os primeiros filhotes começaram a nascer em janeiro, e a eclosão dos ovos está em seu auge. Foi solicitado à Samarco a coleta de sangue das fêmeas, de ovos e de animais natimortos, o que está acontecendo desde o fim do ano passado e ainda continua, para análise de contaminantes.
Os ninhos das tartarugas marinhas são feitos ao longo de 39 quilômetros de praias ao norte e 37 ao sul da foz do Rio Doce. A área afetada faz parte da Reserva Biológica de Comboios, uma unidade de conservação costeira que protege um dos únicos dois pontos regulares de desova de tartaruga-de-couro, também chamada de gigante (Dermochelys coriacea) na costa brasileira – uma espécie criticamente ameaçada de extinção -, além de muitos ninhos de tartaruga-cabeçuda (Caretta caretta), também ameaçada de extinção.
O monitoramento do depósito de ovos e depois do nascimento dos filhotes, que já vem sendo feito há mais de 30 anos pela fundação, ganhou um novo grau de importância depois do acidente com a barreira da mineradora em Mariana. “Será que as fêmeas foram direto para o perigo? É o que estamos avaliando”, explica a pesquisadora Ana Cláudia Jorge Marcondes, pesquisadora da Fundação Pró-Tamar, responsável pelo projeto.
Logo que se soube que a lama iria chegar ao local, equipes da fundação e voluntários correram para transferir os ovos para locais mais seguros, mais distantes da foz. Desse modo, segundo Ana Cláudia, a lama não chegou a passar por cima deles. Mas o risco é de que as fêmeas, antes de depositar os ovos, tenham se contaminado comendo peixes ou outros animais que tenham sido afetados pela lama, e isso poderia acabar afetando os ovos e, por consequência, os filhotes. São as análises químicas que vão mostrar se isso ocorreu. Os resultados devem sair em dois meses.
Também vai ser considerado o sucesso de nascimento dos animais. Em média, diz Ana Cláudia, de 70% a 80% dos ovos eclodem com sucesso. A quantidade deste ano, comparada com a média histórica, vai ser importante para ver se o acidente ambiental prejudicou a espécie.