A atual lei de drogas é um dos principais fatores de aumento da população carcerária brasileira nos últimos anos. Promulgada em 2006 para que traficantes tivessem as punições intensificadas e usuários fossem encaminhados não à prisão, mas ao sistema de saúde, a nova lei tem surtido efeito contrário, superlotando as penitenciárias.
A conclusão é da pesquisa de doutorado defendida pelo sociólogo Marcelo da Silveira Campos e publicada na Biblioteca Digital da Universidade de São Paulo (USP). Não bastasse o fato de a população penitenciária brasileira ter aumentado 77,5% entre 2005 (antes de a lei ser implementada) e 2013, o pesquisador ainda descobriu que, entre os anos de 2004 e 2009, em São Paulo – especificamente nos bairros de Itaquera, na zona leste, e Santa Cecília, no centro -, uma pessoa flagrada portando drogas tinha quatro vezes mais probabilidade de ser incriminada por tráfico do que notificada por uso.
“Muitas vezes, usuários que deveriam ser enviados, segundo a lei, para unidades de saúde ou assistência social estão sendo deslocados para as prisões”, diz Campos, professor adjunto da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), em Mato Grosso do Sul.
De acordo com dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça, o porcentual de pessoas incriminadas por uso ou tráfico de drogas era de 13% em relação a toda população carcerária brasileira. Em 2014, subiu para 27%.
Uma das justificativas para o efeito reverso da lei é o que Campos chama de “centralidade da pena de prisão”, isto é, a detenção segue sendo a opção mais recorrente dos agentes judiciais, como policiais, promotores e juízes. “Ainda é preciso convencer o sistema de justiça criminal brasileiro de que existem outras alternativas”, diz.
Outro motivo importante da “inversão”, segundo o autor da pesquisa, é a própria lei. A norma não é clara quanto a um parâmetro que defina, em função da quantidade de drogas, quem se enquadra como traficante e quem pode ser considerado apenas usuário. O artigo 28 estabelece que, para determinar se a droga estava destinada a consumo pessoal, o juiz deve levar em conta, além da natureza e da quantidade da substância, as “circunstâncias sociais e pessoais” do agente, assim como sua conduta e seus antecedentes. “Isso é um grande problema, pois é um critério muito subjetivo”, afirma.
Supremo
Este foi um argumento usado pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), para votar, enquanto relator, pela inconstitucionalidade da lei, em agosto deste ano. “O sistema repressivo passa a funcionar de acordo com o que o policial relatar no auto de flagrante, já que a sua palavra será, na maioria das vezes, a única prova contra o acusado. Não se está aqui a afirmar que a palavra de policiais não mereça crédito. O que se critica é deixar exclusivamente com a autoridade policial a definição de quem será levado ao sistema de Justiça como traficante.”
Os ministros Edson Fachin e Luis Roberto Barroso também se posicionaram a favor da descriminalização, mas restrita apenas à maconha. Barroso foi além, apontando as quantidades específicas de posse de maconha. O julgamento, porém, está suspenso no STF até que o ministro Teori Zavascki, que pediu vista dos autos, devolva o projeto e revele seu voto.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.