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Lira atropela rito e impõe votação às cegas

Com um poder sem precedentes no comando da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) tem atropelado ritos da Casa para impor sua pauta, a ponto de, em mais de uma ocasião, colocar em votação projeto cujo texto final era desconhecido pelos próprios deputados. A conduta tem provocado críticas por parte de parlamentares e de especialistas, que apontam falta de transparência.

O caso mais recente ocorreu na quinta-feira passada, quando o relatório final da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que aumenta o poder do Congresso sobre o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) só foi divulgado após o início da sessão. Sem conseguir apoio suficiente para aprová-la, porém, Lira adiou a análise para esta terça-feira, 19.

O presidente da Câmara também decidiu votar a PEC diretamente no plenário, ignorando a fase em que as alterações na Constituição são discutidas em comissão especial, como prevê o regimento. É nesta fase em que são realizadas audiências públicas e o texto pode ser discutido com a sociedade civil. Mas uma brecha nas regras da Casa, utilizada por Lira, permite pular esta etapa quando há urgência.

O mesmo procedimento já havia sido adotado em outras ocasiões desde que Lira assumiu, como na votação da PEC da Blindagem, que restringia o alcance de decisões judiciais contra parlamentares; dos projetos do novo Código Eleitoral; do que altera o ICMS e o que flexibilizou a Lei de Improbidade Administrativa. No último caso, deputados aprovaram uma tramitação célere da proposta oito minutos após o relatório final ser divulgado.

"No início isso fazia até algum sentido por conta da necessidade de urgência de algumas matérias ligadas ao enfrentamento da pandemia, seja no âmbito da saúde pública, como também no enfrentamento da crise econômica", afirmou o líder do Novo na Câmara, Paulo Ganime (RJ). "Mas agora tem sido usado para qualquer tipo de matéria, mesmo aquelas que não têm nenhuma relevância ou urgência para que sejam votadas direto no plenário", disse.

O episódio mais emblemático foi a votação da reforma no Imposto de Renda, que Lira tenta levar adiante como marca de sua gestão. No mês passado, deputados aprovaram o texto sem que o parecer final com as mudanças tivesse sido protocolado no sistema da Casa. Resultado: só descobriram depois que a medida, em vez de aumentar a arrecadação, provoca um rombo de bilhões nas contas da União, Estados e municípios.

No dia da votação, o líder do Cidadania, Alex Manente (SP), deixou claro que desconhecia o teor do projeto. "O Cidadania não conhece os acordos que foram celebrados. Eu estou conhecendo o acordo agora, aqui no plenário. Eu não fui consultado, nem notificado, e a reunião que fiz com minha bancada foi baseada no tema anterior."

A redação final do projeto era desconhecida mesmo entre aqueles que fizeram parte do acordo. "Queria apenas tornar público que circula um texto, que ainda não foi protocolado, com as mudanças acatadas pelo relator", disse a líder do PSOL, deputada Talíria Petroni (RJ), no dia da votação.

Situação semelhante ocorreu na semana passada, na votação do projeto que muda a incidência de ICMS sobre combustíveis e estabelece um valor fixo por litro. O parecer do relator foi apresentado na segunda-feira, dia 11, e votado dois dias depois, sem que os deputados tivessem tempo hábil para discutir o assunto. "Não pudemos discutir com a bancada", disse o deputado Hildo Rocha (MDB-MA).

<b>RECURSOS</b>

Diferentemente de seus antecessores, o atual presidente controla, por exemplo, o orçamento secreto – distribuição de verbas sem transparência para garantir apoio político ao governo Bolsonaro. A prática, revelada pelo <i>Estadão</i> em maio, se tornou possível após a criação das emendas de relator, ou RP9, pelo Congresso, no fim de 2019.

Lira rebate as acusações de "atropelo" nas votações e diz que os projetos são debatidos com os líderes de cada partido em reuniões semanais. "Nestes encontros, os relatórios são apresentados pelo próprio relator pessoalmente e discutidos com os deputados. O relator também é orientado por esta presidência a correr pelas bancadas, lideranças e partidos, o que vem sendo feito com regularidade", disse. "Creio que nunca tivemos uma relação tão próxima entre relatores e parlamentares", justificou Lira. As conversas semanais são fechadas e líderes reclamam que, muitas vezes, não são chamados.

O diretor executivo do Transparência Brasil, Manoel Galdino, aponta que a maneira de Lira conduzir essas votações deixa pouco espaço para o debate. "É um processo bem atropelado, um trator mesmo para aprovar."

Galdino também chamou a atenção para o fato de Lira usar manobras regimentais para acelerar as votações, com a preferência do uso de grupos de trabalho em vez de discutir os projetos em comissões. "Ele tem aproveitado algumas brechas regimentais para reduzir a transparência e a possibilidade de participação da sociedade civil", disse. "Tem criado grupos de trabalho porque eles não têm regimento específico e aí não existe a possibilidade, por exemplo, de um deputado pedir vista, como existe em uma comissão."

Para o diretor da entidade, o fato de Lira restringir as discussões e não dar ampla publicidade para o teor dos textos atrapalha o poder da sociedade de fazer a fiscalização adequada. "Ele cria um grupo de trabalho e apresentam (o texto) na hora que querem, fazem articulação nos bastidores, disse Galdino.

Outro exemplo do "atropelo" promovido por Lira é a atual discussão sobre o projeto que legaliza os jogos de azar. A intenção do presidente da Câmara é votar o texto diretamente em plenário em novembro, logo após o deputado Felipe Carreras (PSB-PE) apresentar seu relatório em um grupo de trabalho formado no mês passado.

A PAUTA DO DEPUTADO

– Lei de Improbidade: O projeto que afrouxou punições a políticos tramitava em comissão especial, mas foi levado ao plenário sem que fosse votado pelo colegiado. O relatório final só foi conhecido no dia em que a urgência foi aprovada.

– Mudanças no CNMP: Lira tentou votar a PEC que aumenta influência política no "Conselhão" no mesmo dia em que novo relatório foi apresentado, mas desistiu após perceber que ela não tinha os votos para ser aprovada. O texto não passou por comissão especial.

– PEC da Blindagem: Proposta que amplia a imunidade parlamentar foi apresentada em 23 de fevereiro e a admissibilidade foi votada no dia seguinte. Sob críticas, Lira desistiu de dar andamento. Também não passou por comissão.

– Código Eleitoral: Lira tentou votar no dia 2 de setembro, mas a relatora fez mudanças no texto e a aprovação ocorreu no dia 9. O Senado, porém, não analisou a iniciativa a tempo para as regras valerem em 2022.

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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