Em atrito com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, o presidente Jair Bolsonaro mandou um recado ao auxiliar ao dizer que ninguém no governo é "indemissível". A declaração, no entanto, soou como uma bravata para interlocutores do governo. Não há dúvida de que Bolsonaro deseja demitir Mandetta, mas sabe que, ao fazê-lo, arrisca a própria imagem diante da popularidade que o ministro alcançou no enfrentamento à pandemia do coronavírus. Conquistou o apoio de líderes do Congresso, do Judiciário, da oposição e até mesmo de bolsonaristas.
Pesquisas de opinião divulgadas ontem apontam que o ministro tem aprovação maior que a do presidente. Para aliados dos dois lados que acompanham de perto o cabo de guerra, Mandetta caminha para ganhar a mesma musculatura política que o ministro da Justiça, Sérgio Moro, outro auxiliar cuja popularidade gera incômodo e desconfiança em Bolsonaro.
Durante o agravamento da crise da covid-19, Mandetta, filiado ao DEM e ex-deputado por Mato Grosso do Sul por dois mandatos, ganhou projeção nacional. Diariamente, surge na entrevista coletiva, transmitida ao vivo por emissoras de TV, para falar sobre a evolução da pandemia. Nas últimas semanas, trocou o terno e a gravata por um colete azul do Sistema Único de Saúde (SUS). Assim, se destaca dos demais ministros e se assemelha aos técnicos da sua pasta, que também usam trajes com a marca do SUS.
No sábado passado, logo após ter uma conversa tensa com o presidente no Alvorada, o ministro da Saúde surgiu diante das câmeras com colete, as mangas da camisa dobradas e o cabelo molhado. Ali, voltou a defender o distanciamento social e criticou o discurso a favor do uso da cloroquina em casos do coronavírus, adotado por Bolsonaro e apoiadores. "Cloroquina não é panaceia", enfatizou.
"Não é só um colete de quem está vestido para a guerra. Com o símbolo do SUS no peito, ele cria uma conexão com pessoas mais pobres, que não têm um serviço de saúde particular", disse a consultora de imagem para políticos e empresários Olga Curado. A especialista, que teve como clientes os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff e o próprio Bolsonaro, mencionou a capacidade de Mandetta de, mesmo ao dar notícias duras, adotar uma linguagem simples, empática, apontando as soluções. Segundo ela, essa habilidade é fruto da experiência dele como ortopedista pediátrico por mais de 30 anos. "Apesar de Bolsonaro ficar minimizando o isolamento, por que as pessoas não vão para a rua? Porque elas preferem acreditar no doutor."
Para a consultora, Mandetta também se sai bem ao evitar entrar na discussão política mesmo quando provocado pelo presidente. Anteontem, após Bolsonaro dizer que faltava "humildade" a ele, o ministro respondeu que estava trabalhando. "Eu trabalho. Só lavoro, lavoro", disse ao Estadão/Broadcast.
<b>Capital político</b>
Na cúpula do DEM, a percepção de que Mandetta ganhou tônus político é nítida, mas os líderes do partido afirmam que é prematuro fazer projeções para 2022. A legenda chegou a cogitar a retirada do apoio ao ministro caso ele incorporasse a narrativa de Bolsonaro na condução da pandemia, o que não ocorreu. Pelo contrário, aliados reconhecem que o ministro dobrou a aposta na disputa com o presidente.
Em 2018, o então deputado se disse decepcionado com a política e desistiu da reeleição. Agora, políticos próximos veem a possibilidade de ele se projetar para 2022 como um nome ao governo de Mato Grosso do Sul ou ao Senado, mas afirmam que não é este o foco agora.
Diante da fritura e desgaste com o presidente, o ministro, em conversas reservadas, já não esconde que desejaria deixar o governo, mas afirma que não tomará a atitude para não arcar com o ônus de sair em momento de crise. "Médico não abandona paciente", disse ontem.
No Planalto, a avaliação é de que, ao desafiar o presidente, seu superior hierárquico, o ministro dá munição para a oposição. Bolsonaro, por sua vez, sabe que se demiti-lo agora assume toda a responsabilidade da pandemia do coronavírus.
Enquanto sofre ataques de Bolsonaro, Mandetta capitaliza apoio na cúpula dos demais Poderes. Anteontem, após ser criticado pelo presidente, o ministro jantou com os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Foi aconselhado a ir "tocando o barco". O ministro também tem exibido bom relacionamento com o procurador-geral da República, Augusto Aras, e com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli.
Além disso, é defendido até mesmo por bolsonaristas. Recentemente, na portaria do Palácio da Alvorada, uma mulher pediu que Bolsonaro "deixasse o ministro trabalhar".
A mulher de Moro, a advogada Rosângela Moro, foi outra a sair em defesa do ministro. Ela publicou em seu Instagram a frase "In Mandetta I Trust" (Em Mandetta eu confio), uma variação usada também por apoiadores do ex-juiz da Lava Jato. Poucos minutos depois, a publicação foi apagada.